QUANDO O PRESENTE É INESPERADO
Leila de Barros


Hoje fui acordada pelo George com um beijo na testa e a frase efusiva:

- Feliz aniversário, querida! Seu presente está no sofá, mas você terá de ir até lá de olhos vendados!

Diante desse entusiasmo inesperado, mesmo bastante sonolenta, decidi participar da brincadeira proposta. Mas, maldosamente pensei:

- Será mais um daqueles presentes característicos do George, como calculadora científica, livro de trigonometria em alemão, secretária eletrônica com tanto botão que precisa de um curso de um mês para fazê-la funcionar e ela não funciona enfim?!

Eu sou artista plástica, da área de humanas e ele, engenheiro...Talvez isso explique algumas de nossas diversidades.

Caminhei lentamente até o sofá. Ele me fez tocar a caixa do presente e desejava que eu fosse tentando advinhar.

Fui entrando no clima e tentando descobrir por meio do tato do que se tratava. Tanto plástico, tanto papelão... Ah! Vislumbrei um certo brilho, é liso... Não... nem tanto...
superfície irregular...hum parece que tem muito plástico ainda...

- Seria mais um dos seus dispositivos eletrônicos mirabolantes? Mais uma inutilidade? Será que ele sabe que desejo deixá-lo antes do outono chegar? Será que seu espírito
germânico sofreria?

Será que ele simplesmente tocaria sua vida em frente, mesmo depois de nossos doze anos de convivência?

De repente me pego assim cheia de pensamentos somente por estar recebendo um presente de aniversário. Creio que isso se deve à conjuntura astral que envolve essas datas comemorativas.

Muitas vezes desejei ter esse mesmo espírito germânico do George! Houve noites em que desejei seus beijos, seu toque em meu corpo sedento. Desejei bailar entre lençóis, ainda que sob o som de bandinhas alemãs.

George tinha seus métodos e rotinas... Tudo precisava estar sob controle...Eu, rocha ígnea...Ele, um lago nórdico...

Minhas mãos continuam tentando abrir o pacote do presente de aniversário, tão bem embalado que estava começando a ficar impaciente!

Um teclado pequeno, botões... Hum... Está fácil... Um celular novo! Bem, até que isso tem a sua utilidade, já que o meu está com três anos de uso.

Mas havia outra caixa com uns furos em cima...Espera aí! Está emitindo uns sons... O que será???

Abri a caixa de sôfrego e fui apalpando o conteúdo. Senti um calor gostoso e um toque de maciez e fofura... Arranquei a venda dos olhos e gritei de alegria!

Um filhote de dog alemão! Um cachorrinho cor de mel, todo carente e tão sonolento quanto eu!

Peguei-o no colo e abracei-o com muita satisfação!

Afinal o George parece ter me dado um presente útil. Mas, o outono está chegando e eu preciso rever minha decisão de deixá-lo ou não...Provavelmente seja inútil tentar um
recomeço... Acho que nesses anos de convivência, absorvi um pouco de seu lado pragmático.

Quanto aos sonhos e desejos, creio que nesse momento seriam tão inúteis quanto os presentes anteriores que recebi dele...

 

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