INÚTIL! É TUDO INÚTIL!
Lena Chagas

Ultimamente, não havia o que a fizesse sorrir. Vivia prostrada, amargurada, sem viço e silenciosa.

O amanhecer já não significava um novo dia que pudesse lhe trazer novidades; apenas a mesmice.

E o acordar vinha sempre com aquele desânimo monumental que lhe trazia o corpo doído e a cabeça pesada como uma montanha de chumbo.

Sair da cama para quê? – se perguntava antes de se virar para o outro lado - para ver mais um dia como os tantos outros que passaram e nada deixaram além das marcas do tempo?

Assim ficava, enroscada nos lençóis amassados, divagando, escondendo os olhos sob o travesseiro para não ver os fachos de luz que rasgavam a penumbra do quarto.

Parecia, a quem a visse assim, que perdera o encanto pela vida e deixara a rotina engessar suas vontades e o desânimo empoeirar seus sonhos.

Reagir era a palavra que sempre tinha presente, mas em completo desuso. ‘Chutar o pau da barraca’ era a recomendação dos mais chegados que se imaginavam conhecedores da sua aflição. Qualquer reação estava ao alcance das suas mãos, bastava decidir. Seria um bom começo.

Seria, se não chegasse sempre à mesma conclusão, pronunciada entre dentes sempre que alguém lhe fazia essa cobrança: “Inútil! É tudo inútil!”.

Mais parecia um pedido de socorro, não percebido por ninguém.

Nas raras vezes em que aceitava um convite dos amigos para bater um papo e beber alguma coisa, pouco falava e nada prendia a atenção daquele olhar vago perdido no ar. Invariavelmente, acabava indo embora antes de todos.

Ninguém entendia o motivo de tanta tristeza e tamanho desânimo naquela mulher tão jovem, bonita e inteligente, que de um dia para o outro deixou os estudos e pediu demissão de um emprego tão antes cobiçado. Muito menos por que razão teria mandado embora o homem que tanto amava.

Conjecturas não faltavam e corriam soltas de boca em boca pelo bairro: amor impossível, desilusão amorosa, depressão, “coisas de mulher”, etc...

Mas todas sem fundamento algum, faziam parte da imaginação dos que buscavam uma razão para um fim tão trágico.

Ao terminar o sepultamento, sua mãe veio ao meu encontro e me passou uma folha de papel, onde se lia, escrito à mão, com a data da véspera: “Inútil! É tudo inútil!” E a assinatura.

Depois de ler, atônita, ouvi a explicação:

Foi a única frase que deixou junto ao envelope que continha várias tomografias computadorizadas do cérebro, com o resultado positivo de câncer maligno em estado avançado e irreversível. Ao lado, o vidro vazio do medicamento que ingeriu em excesso.


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