FEIJÃO
Luciana Franzolin

Por mim, passava a vida inteira sem comer feijão. Não combina. Nem me lembro quando foi a ultima vez. Abria uma exceção para a feijoada, mas só a da minha mãe, e ainda assim mais pelo evento em si, de reunir a familiarada toda em volta da mesa e apreciar a iguaria com couve e laranja, mas sem orelhas, joelhos e patas.

Ontem o Charles pediu pra eu cozinhar feijão. Aqui em Londres eu já fiz milhares pratos com exotic mushrooms, smoked salmon, tiger prawns, goat cheese, beef tomatoes, rump steaks, currys, tandoris, massalas, wild aspargus, mas juro que nem passava pela minha cabeça cozinhar uma panela de feijao. Aí me lembrei que nunca havia feito isso na vida.

Fui procurar no mercadinho perto de casa e só tinha uma infinidade de feijões em lata que eles comem no café da manha com ovos, lingüiça, cogumelo e torradas, o que acho pesadíssimo. Kidney bean é um feijão enorme e vermelho e vem numa lata com salmoura. O mais parecido com o nosso carioquinha vem com molho de tomate, credo! Uns brancos nada convidativos são misturados com manteiga. Sem chance! Fui apelar para as lojinhas brasileiras do Queensway Market.

Achei feijão preto e carioca e a vendedora deu risada quando eu perguntei como cozinhava. Teria que deixar um dia de molho, mas como ganhei uma panela de pressão, “cobre com água e deixa cozinhar quarenta minutos”. Fácil!

Calabresa e toscana estavam em falta. Toca eu subir pro mercado português da Harrow Road. Alem das lingüiças, lembrei da farinha de mandioca pra fazer farofa. Acabei por comprar batata palha, polvilho azedo, fubá, chocolate granulado, palmito, toddy, leite de coco e guaraná, o que não se encontra em nenhum lugar.

Lembrei que quando minha mãe cozinhava, fazia as carnes separadas do feijão, e depois tudo pra ferver junto, as vezes misturando água. Liguei pra minha prima que está aqui em Londres para confirmar. “Depois de cozido pega um pouco de feijão, bate no liquidificador e coa pra ficar aquele caldo grosso”. Começou a complicar, pensei!

Coloquei o feijão e a água até a marca da panela no fogo alto e deixei. Começou a ferver olhei o relógio. Enquanto isso fritei as lingüiças juntei bacon e cebola em pedaços grandes e refoguei tudo. Fiz a farofa com ovos e bacon e um arroz branco básico (que eu também demorei pra acertar o ponto).

Deu meia hora eu comecei a sentir um cheiro de queimado. Olhei o grill, todas as outras panelas e o único gás ligado era o do feijão. Desliguei correndo, tirei a pressão, coloquei embaixo da torneira fria e quando abri a panela parecia um carvão. O feijão tava lá todo torrado e então ouvi o alarme de incêndio. Olhei a cozinha e era uma fumaça só. Fechei a porta, abri as janelas e o barulho parou depois de cinco minutos.

Meu coração estava acelerado, eu tinha que sair dali meia hora e o almoço estava pela metade. Metade não porque o principal ingrediente era o feijão. Quase chorei, arruinada, mas teimosa que sou, joguei tudo num saco preto e amarrei firme a borda, xingando. Lavei a panela com bombril mas antes tive que tirar as crostas de feijão carvão com uma espátula. Quase quinze minutos.

Liguei para a minha mãe. Eram nove da manha no Brasil e ela estava tomando café atrasada. “Ai filha, é só por água e cozinhar. Fala com a Nadir que ela te explica”. Respirei aliviada, a Na é responsável pelo feijão lá de casa ha muitos anos. “Poe um tiquinho de óleo na panela e meia cebola picada, joga o feijão e cobre três dedos com água, abre a panela com cuidado depois de vinte minutos e vê se precisa de mais água, volta na pressão e vai abrindo pra ver até amolecer, frita o tempero separado, depois junta, ferve bastante, e pronto”.

Aí, foi toda a via sacra novamente e é obvio que ficou bom, mas neste tempo conseguiria fazer um jantar com entrada e sobremesa para vinte pessoas. Sou toda orgulhosa porque cozinho pratos sofisticadíssimos com toque de cheff, mas pra arroz e feijão, descobri que sou inútil.


fale com a autora

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.