RICARDO E RITA 4 - FINAL
Osvaldo Luiz Pastorelli

Ricardo sentiu de leve o vento quente, quando o trem passou na plataforma, raspar a barba por fazer. Bem no momento critico, deu um passo para trás. No mesmo instante a garota ao lado gritou. Deu um passo para trás, e o grito da garota reverberou na estação chamando a atenção de todos. Ricardo, assim que a composição parou e abriu as portas, se enfiou trem adentro. A garota petrificada viu as portas do trem se fecharem sem entender o que se passara.

Como pudera e tivera a coragem em ter essa idéia? Estava fugindo do problema. Queria castigar Rita pelo vexame que fizera ele passar na boate. Porém decidira que ela não tinha esse direito de se sentir castigada. Talvez o maior castigo para ela era ele continuar vivendo. Sim! Isso mesmo, vou continuar vivendo para mostrar a ela que não sou fraco, que sei lutar. O que o deixou assustado foi o grito e olhar de terror da garota. Não poderia, mesmo que quisesse se desculpar. Não haveria hipótese alguma de que pudessem se cruzar novamente. Tinha que esquecer o grito e o olhar de terror estampado no rosto da desconhecida.

Onde deveria ir? Já que entrou no trem teria de ir para algum lugar. Mas só que esse lugar não era o lugar definitivo, mas o lugar onde ele estaria indo. Portanto não se preocupava com pequenos detalhes como esse, tinha tomado uma resolução e não voltaria atrás. Sua mente martelava igual a piano dentro de uma noite chuvosa em sons descompassados ferindo num timbre monocórdico seus sentidos. O que é a dor? O que é o desespero de sentir a dor latejando a mente? Imaginação da mente doentia que não sabe trabalhar com o impossível, com o desconhecido, o vasto e inesgotável repertório da natureza humana ou, ainda, a fantasia, a mera fantasia da compreensão cujo meio de aliviar a pressão é saber da existência de senti-la? Ou o medo dos difíceis dias de suportar a caridade de quem se julga detestado. Rita detestava-o? Talvez. Quem poderia saber? Ele não saberia definir com clareza. Só porque fora abandonado bêbado numa boate não queria dizer que fosse ele detestado. As noites será cada vez mais tristes se eu for repudiado, pensou melancolicamente.

Precisava voltar rápido. Rita poderia ir ao apartamento e ler o bilhete que ele deixara. Que estúpido que fora! Deixar um bilhete! Isso é a sina dos suicidas. Como se deixando um bilhete estaria dando uma superficial explicação do ato. Um lembrete de que não se esqueçam de mim. Ainda bem que ele se arrependerá. Mas se Rita ler o bilhete? Qual seria atitude dela? Desesperada? Daria de ombros já que ela o repudiava? Não queria pensar no que ou o que faria ela, queria chegar rápido ao apartamento, rasgar o bilhete. Estava saindo da estação, na escada rolante, quando decidiu voltar. Sem se importar com as pessoas que, como ele, subiam, aos trancos e barrancos, empurrando, pedindo licença, ouvindo reclamações, tentou descer a escada que subia. Com muito esforço e levando um tempo muito grande conseguiu chegar ao fim da escada, ou melhor, dizendo, ao começo da escada, já que ela subia.

Inútil isso que ele era. Um inútil. Um apalermado idiota de um inútil. Se é que se pode ser idiota e ao mesmo tempo inútil. Pois ser idiota já é uma caracterisca de ser inútil. Sendo idiota já era ser inútil e, sendo, inútil já era ser idiota. Como fora idiota! Realmente um inútil, agora corria como doido para evitar uma desgraça que veria mais tarde se arrepender, além de idiota e inútil, um fracassado.

Aflito subiu as escadas. Em frente à porta do apartamento parou indeciso. Por fim pegando na maçaneta com firmeza abriu a porta e entrou no apartamento. As sombras começavam a tomar conta do ambiente já que a tarde ensolarada morria lentamente. No meio da sala parou e divisou uma sombra parecendo um corpo estirado no sofá. Meu Deus me diga que está tudo bem! Que ela não tenha feito nenhuma besteira, ouvi sua voz interior dizer, pois não era muito afeito a essas coisas. Aproximou-se do sofá e com o peito batendo descompassado ajoelhou-se. De leve tocou no ombro de Rita. Ela não se mexeu. Será que está morta? Perguntou interiormente aterrorizado. E se estiver o que eu faço? Nisso tomou coragem e virou o corpo. Nesse momento Rita abriu os olhos e sorriu vendo o rosto do amado.

- Desculpe... acho que peguei no sono...

- Eu que tenho que me desculpar...

- Não fale nada, por favor... me abrace...

E foi o que Ricardo fez. Abraçou aquele corpo que ele tanto amava.

E a noite veio mansamente cobrir os dois corpos que nunca mais se separaram.

 

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