ASSIM ERA O DIA-A-DIA DAQUELA FAMÍLIA...
Adriana Vieira Bastos


A mãe, metida a matriarca era a que mais falava. Falava, falava, falava, mas, como nem tudo era perfeito, via as suas reivindicações não darem em nada. O pai, metido a político, não falava, discursava. E ai daquele que não prestasse atenção no discurso do dia...

O filho mais velho, como todo primogênito, sentia trazer nas veias toda a inflamação paterna. Será por que o faziam acreditar ser este o filho mais caprichado? O filho em que se coloca as mais secretas esperanças e cargas emocionais?

O segundo filho, carente profissional, sentia-se o porta-voz das injustiças ocorridas contra esta classe tão discriminada - “os filhos do meio”. Alerta desde criança, não perdia uma deixa para demonstrar o quanto sempre era deixado de lado.

O terceiro filho, irritado com os reclamos do filho do meio, e com o reinado indiscutível do irmão mais velho, fazia de tudo para chamar a atenção. Se o segundo não se sentia amado, ele, coitado, nem ao menos era notado...

Uma coisa era certa! Clara! Indiscutível! Não abriam mão de suas verdades! E estas verdades funcionavam como estopim para as irremediáveis e intermináveis discussões familiares...

Brigavam por tudo, por nada! Às vezes, nem sabiam porque estavam brigando! Era um comportamento tão habitual, que para eles parecia natural.

Assim iam levando, até o dia em que abriram a porta e se depararam com uma visita inesperada. Um tio-avô, praticamente desconhecido de todos. Ou seja, um motivo a mais para brigar.

O mais velho não iria sair da sua cama, afinal, era o mais velho. O do meio, muito menos, afinal, por que tinha que ser sempre ele o prejudicado? O caçula, por sua vez, decidido, não iria se curvar mais à prepotência dos irmãos.

Bem, não precisa dizer que o velho chegou e, sorrindo, aceitou de bom grado, o colchão desengonçado que lhe deram. Nem se sentiu embaraçado quando, logo de cara, fôra inquirido sobre o tempo de sua visita. Calmamente respondeu ? o tempo suficiente para colocar algumas coisas em ordem.

Coisas? Ordem? - Irônicos e intrigados, perguntaram-se. O que teria este velho de tão importante a fazer? Na realidade, parecia mais uma fala de alguém que realmente nada tinha a fazer...

De qualquer maneira, era bom não criar clima, pois não estavam dispostos a enfrentar a ira do pai, caso este se deparasse com alguma reclamação...

Os dias caminhavam, deixando-os inquietos com o comportamento do tio - acordava, arrumava a cama, ou melhor, o colchão; não deixava nada espalhado; tomava um copo de leito morno; quase não falava, e, quando as brigas começavam, abria sempre o mesmo livro, na mesma página, e lia como se não estivesse havendo absolutamente nada que pudesse desviá-lo da atenção daquele capítulo.

Como aquele tio podia se manter tão neutro e calmo? Que sangue de barata tinha aquele homem? Nem parecia da família... – questionavam-se, nestas alturas, irritados com tamanha falta de consideração. Será que ele não percebia o quanto esta atitude acabava distraindo-os, justo nos momentos em que estavam prestes a decidir os rumos de suas vidas?...

Um dia, no auge da décima discussão do dia, resolveram pedir-lhe uma opinião sobre quem estava certo. Afinal, já que ele não fazia nenhuma menção de ir embora, que servisse para alguma coisa!

O velho, sem manifestar espanto ou prazer com tal pedido, simplesmente sorriu e respondeu-lhes que aprendera, a duras penas, o valor do ditado popular ? “boca calada não entra mosca”...

Continuando, acrescentou que se todos pensassem a respeito, metade das discussões familiares seriam abolidas do cardápio familiar. Não percebiam o tempo que perdiam com este comportamento neurótico e desnecessário. E mais! Com estas picuinhas inúteis impediam-se de reconhecer as coisas boas que também podiam oferecer uns aos outros.

Não precisa dizer que, num primeiro momento, a família não só ficou indignada, como se unira contra ele. Como ousara criticar e menosprezar o modo como viviam?

Dias depois, um pouco mais calmos, sem saber porque, começaram a prestar atenção nos motivos que os levavam a discutir. Desconcertados com o observado, passaram, no momento em que pressentiam uma nova discussão, a sair, cada um, para um canto qualquer da casa...

Sob o olhar satisfeito do tio, é claro!

E não é que, um mês após aquele dia decisivo, surpresos, tiveram que se deparar com a tristeza, pela notícia de que o tio estava de partida. Como dizia o ditado popular - O velho chegou mudo e saiu calado. Mas, ficara o tempo suficiente para despertá-los para uma vida melhor.

Aprenderam com ele a importância do silêncio. Hoje, estão tentando conter um pouco a impulsividade. Briga mesmo, só quando abrem a boca...


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