SEM SAÍDA
Ana Peluso

Não existiam portas ou janelas. Era um compartimento fechado. Não sentia frio ou calor, mas chegou a pensar que sentia. Depois reparou que frio e calor aconteciam ao mesmo tempo, e com isso, parecia, anulavam-se. Também não sentia fome, mas não sentia o estômago. Tampouco sentia sede - sua boca parecia adormecida, pois não a sentia também. Não sabia mais se tinha movimentos ou se apenas sonambulizava pelo compartimento. Houve momentos em que chegou a pensar que dormia o tempo todo, e que aquilo era apenas uma espécie de pesadelo. No entanto seus olhos bem abertos, que viam o nada,notavam o real, contradizendo o contrário.

"Deus nunca fecha todas as portas", ouvira certa vez.

Agora sabia que fechava. Fechava as portas para vários como ele, por aí, sabia-se lá por qual motivo. Talvez quisesse saber o que faz, fechado em um compartimento sem portas e sem janelas, um alguém que não se sabe.

Como alma presa ao corpo, que mesmo durante o sono ainda é corda que nunca desata, ponderava, em paralelo, a pós-existência do cérebro, mesmo após os batimentos cardíacos cessarem em si.

Parecia-lhe injusto e ousado o fato do cérebro teimar em viver horas a mais que o restante do corpo. Não sabia dizer se isso era um fenômeno, mas pairava sobre ele certa condecendência quanto ao fato de poder explorar a razão que levava o homem a descartar esse momento sem precedentes. Como num desastre aéreo, na hora da morte, justamente a caixa preta da vida era ignorada.

Parecia-lhe agora que não passara pela cabeça de ninguém que justamente ali, em cada vinco formado a partir do momento primeiro daquele órgão, em específico, uma cifra para desvendar o dono do órgão se formara. Na mesma proporção que o dna examinava a espiral quântica que o homem sequer aspiralava, todo o resto era esquecido, em função de praticidades e saídas rápidas de cena.

Sem saída, naquele compartimento sem portas e sem janelas, como um ser mudo sem ser, como cego que enxerga, como sedento que esquece, como alguém que se perdeu, ele atinou, de repente, que talvez fosse apenas mais um cérebro recém...

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