OS SILÊNCIOS
Daisy Melo


“The book is on the table” zim...zim...zim...
O ruído da velha fita cassete invade meu ouvido. De repente, nada.

Lá fora o trânsito grita: buzinas, freadas - FILHO DA PUTA!-. A luz do néon batuca na mesa vazia de papel e de comida: vermelho, coca. PAM. Branco, cola. PEM. Vermelho, coca. PAM Branco...

Sombras arranham a parede com suas unhas compridas de lua minguante réc, réc. Estrelas trinam murmurando solitudes. Ligo o abajur, tlic.

A pasmaceira dos móveis me cobre de poeira, cresta meu corpo, prác, prác. Pelas ranhuras abertas, os sons emudecem ou eu fico surda? O coração bombeia o sangue, Bum...Bum...Bum... às vezes explode, às vezes não. O intestino grosso serpenteia o fino, causando sons constrangedores, o estômago ronca vazio dentro de mim.

Suores percorrem meu pescoço, se alojam entre os seios, escorregam, mergulham na poça do umbigo, splash! Apesar disso, eu tremo de frio, bato os dentes num som surdo, tléc...tléc...tléc.

O barulhinho de gelo no copo vazio aguarda que as portas batam e o elevador ranja. Nhéc...nhéc...nhem. Espero alguém? Uma tosse ao longe.

O motor da geladeira me convida: tssssssss, abro a latinha e de repente chove. Passos distantes chapinham nas poças Chop!, chafurdam na lama tchape!, enquanto um plic, plic de gotas grossas e viscosas bate na vidraça embaçada, construindo um caminho de luz vermelha PAM. Branca, PEM. Fecho a janela, desvio dos pingos zimmm.

Irrito-me profundamente com o silêncio. A noite se vai, sorve a madrugada, se engasga, glupp. Droga! Não ouço nada! E uma mosca zummm, patina no meu suor, escorrega pela barriga, se afunda na dobra da coxa. Pouca vergonha... Cláp! Desgraçada, fugiu.

Não suporto mais esse silêncio. Ligo a TV. A luz invade e tremeluz a minha sala muda.
(Plim, plim).

 

fale com a autora

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.