"O SILÊNCIO DOS PACIENTES"
Raymundo Silveira

Entrou no elevador suando ansiedade por todos os poros. Apertou o botão do sexto andar. Saiu. Então, presumiu um equívoco. Desceu para o quinto. Nas mãos um envelope pardo. Ressabiado, foi até o fim do corredor. Na sala de espera, uma velha amparada pela neta, e dois homens. Sentou na cadeira vaga, junto às mulheres.

Quase em seguida, se levantou. Foi um tal de senta levanta e levanta e senta, de endoidar qualquer cristão. Parecia doença de são Guido. Pulga nas partes. Fogo no rabo. Depois começou a caminhar de um lado para outro, como se quisesse gravar sua aflição na trilha das passadas.

O mexe, remexe, anda, senta, bufa, gesticula foi tirando a paciência das pessoas. Fazia muito barulho. Pisava com força. Abanava-se insistentemente com o envelope. Tossia e pigarreava. Sua angústia contagiava os circunstantes. Um comportamento exagerado, mesmo para pai de primeira viagem, e tava na cara que era. Seu sofrimento era de causar compaixão.

Exceto para a velha senhora que não parava de reclamar. Então, a mocinha falou para quem quisesse ouvir: “Vovó é cardíaca. Não pode sentir emoções fortes. Está muito preocupada com minha mãe, que passa por um mau pedaço na sala de parto. Pela idade dela, sabe, é de alto risco”.

Os dois homens entenderam. O desajeitado fez ouvidos de mercador. E continuou a agitação. Cada vez que ia sentar, puxava um pouco a cadeira. O barulho era intolerável. A mocinha simpática mostrou um pôster com uma enfermeira pedindo silêncio.

Mas, o rapaz era diferente. Não percebia... Aquele símbolo nada significava para ele. As coisas nem sempre são o que parecem. Signos, à vezes, não remetem ao mesmo significado. Uma cruz, por exemplo, pode sugerir morte ou vida. Conforme esteja plantada no chão ou enfeitando a cabeça coroada de um monarca. Para quem nunca viu um balão, o desenho de um balão nada representa.

Ficou embaraçado. Aquele dedo apontando para cima, ereto, sobre uns lábios rubros e carnudos tinha, para ele, um sentido meio sinuoso. Nada a ver com silêncio. Não acreditou no que via. Aquela gostosura de menina não podia estar dando em cima dele. Seu orgulho de macho veio à tona. Tímido, esboçou um sorriso sem graça e disfarçou.

A inquietação ganhou mais um excitante motivo. Agora, além de arrastar a cadeira, puxava e empurrava o porta-jornais, de onde retirava exemplares para folhear, numa desordem infernal. Ninguém agüentava mais. A não ser, talvez, a mocinha. A velha se deu ares de conhecedora do assunto e falou: “Sei muito bem o que acontece com os nervos de um pai novato numa situação como esta. Mas não precisa desse exagero. Todos viemos ao mundo desta maneira. Afinal, tem sempre de haver um primeiro, não é mesmo?” E esboçou um sorriso meio forçado que traduzia mais irritação do que simpatia.

O estabanado não se mancava. “Será que é estrangeiro?” Os dois homens abriram os braços num gesto de não sei. “Sorry, can I help you?” O infeliz olhou com um semblante abobalhado. Estrangeiro não era. A moça, então, com toda a paciência desse mundo, já achando que devia estar tratando com um esquisitão, grudou em seu braço e foi mostrar bem de pertinho o cartaz da enfermeira pedindo silêncio. “Escute. Sei que o senhor tem razão de estar aflito. Mas tente se conter. Não faça tanto alvoroço. Desculpe, está vendo este cartaz? Significa que aqui não se deve fazer barulho”. A proximidade, o perfume, o calor, aqueles seios quase roçando o seu braço, completaram o apelo. Desta vez, com um sorriso bem significativo e uma voz estranha, meio gutural, meio, sei lá, insinuou: “Mais tarde”.

A moça até demorou a entender aquele “mais tarde”, porém, quando a ficha caiu ficou tão desenxabida que o maior dos homens decidiu intervir. “Ô amigo. O que ocorre, hem? Pensa que só por estar emocionado pode perturbar o sossego alheio e até mesmo faltar com o respeito a uma senhorita?”

Neste momento, um choro de recém-nascido. Aparece o médico. O “sem parada” corre para ele, abraça e entrega o envelope. “Caro Doutor. Peço o favor de encaminhar o paciente à cirurgia, pois apresenta graves lesões nos condutos auditivos”. “Erro de endereço, é claro. Será possível que ninguém soube explicar a esse rapaz onde fica o andar da Otorrino?” E foi dizer aos interessados que o bebê era um menino forte e que a mãe passava muito bem, graças a Deus.

 

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