UM HOMEM E SUAS PAREDES
Regina de Souza

Aquele homem silenciava quando não encontrava respostas. Calava-se, apenas. Deixava o outro ali, cismando soluções que, supostamente, deveriam ser pensadas pelos dois. Olhando para uma figura escolhida a esmo num ponto do tapete ou fixando os olhos no bico do próprio sapato, ele nada dizia.

Silenciava e nada o removia daquela absurda falta de reação, exceto o alivio que advinha da solidão, logo depois que o interlocutor se retirava do aposento, convencido já de que nenhuma palavra sairia daquela boca cerrada.

Aos poucos e, só então, ele voltava ao normal começando pelo destrançar das mãos. Numa espécie de despertar, esfregava uma palma suada na outra, suor testemunho do esforço despendido na cena anterior e os bicos dos sapatos que antes lhe haviam servido de apoio voltavam a ser apenas pontas. Aos poucos, aflito, porém não mais petrificado, aquele homem ia retornando à naturalidade, indo e vindo pelo aposento.

Pela humilhação, os dentes lhe chegavam a doer, do tanto que seu maxilar se contraíra no esforço imenso despendido durante o monólogo. A mente ficava ainda anestesiada por um bom tempo e nenhum pensamento surgia, exceto a certeza de que tinha sido um covarde.

Isso foi uma constante em seus já vividos trinta e oito anos e, por inúmeras vezes, ele protagonizou inesquecíveis monólogos. Dos bancos da escola primária aos da universidade, dos gabinetes dos chefes às camas redondas de motéis, das mesas dos bares aos vestiários de clube, ninguém -professor, colega de trabalho, amante ou amigo- deixou de experimentar um monólogozinho frente àquele homem.

Havemos de registrar aqui que o seu silenciar mais covarde, o mais longo, foi aquele que deu inicio à sua liberdade.

Ele não queria mais aquela mulher. O casamento falira e agora, enfiara na cabeça que a única coisa que o deixaria bem seria voltar para o sossego da casa materna. Ansiava pelo silencio daquelas paredes que o viram crescer sem questionamentos, sem cobrar dele responsabilidades como fazia aquela mulher.

Depois de perceber sozinha -obviamente- que o marido andava infeliz, durante meses, muitos meses, ficavam os dois encerrados no quarto do casal, tentando encontrar uma saída que salvasse o casamento. Ela, aliás, esperando respostas, porque ele só ficava lá, sentado na cama de cabeça baixa, todo olhos para o tapete e para as pontas do próprio sapato.

Então, o silencio -seu maior cúmplice - lhe devolveu a ansiada liberdade que lhe fora roubada pelo casamento e quieto, ele voltou para a casa da mãe onde até hoje vive feliz, trocando silêncios com as suas queridas paredes.

 

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