REUNIÃO DE CONDOMÍNIO
Adriana Vieira Bastos


Esta será uma reunião especial! – pensou o síndico emocionado, ao deparar-se com sua primeira assembléia no prédio, para o qual tinha acabado de se mudar. Nunca tinha visto tanta gente numa reunião de condomínio.

Em seguida, observando um pouco mais o ambiente, sentiu-se apreensivo ao perceber os ânimos exaltados – O que estava acontecendo? O prédio era novo, os vizinhos mal se conheciam, as instalações estavam em ordem, o zelador e os porteiros mal tiveram tempo de aprontar.

A noite prometia! – pensou, desta vez, menos eufórico.

Não só prometia como se cumpriria a profecia...

Mal abrira a assembléia e foi atropelado pela voz estridente e irritada da mulher do 34, dizendo que ele precisava fazer alguma coisa, e logo. Ela já havia morado em vários lugares, mas nunca tinha se deparado com uma pouca vergonha daquela...

A mulher do 33, pegando carona na inflamação da vizinha, disse que não agüentava mais fazer marcação cerrada aos filhos adolescentes, ansiosos pelo estímulo diário para os seus solitários exercícios de sexualidade...

Sorte sua!– retrucou ironicamente a mulher do 44 – No seu caso são os filhos; no meu, o marido – causando a gargalhada geral dos participantes e o constrangimento do cônjuge.

O homem do 64, em tom malicioso, argumentou não ter visto razão para tanto barulho – A moça até que era bem “jeitosinha”. Para seu azar, sua mulher, que não era tão simpática quanto a do 44, entrou na sala justo no momento da sua fala. Entrou e saiu! E ele atrás, preocupado em como se defender da ira dela, causada pelo comentário fora de hora.

O solteiro do 53, avesso às hipocrisias, argumentou em defesa daquela que nem sabia estar sendo acusada – não entender o porquê de tanto alvoroço. Cada um tinha o direito de ir e vir dentro do seu próprio apartamento!

Ir e vir? O senhor deve estar brincando! – respondeu indignada, a beata do 34 – Aonde vamos parar! No meu tempo...

Ora minha senhora – cortou o rapaz – Se este tempo não é o seu, como a senhora acaba de dizer, será justo de sua parte atrapalhar o tempo alheio? Qual o pecado da moça? Andar nua? Para uns pode representar um sacrilégio, mas, para outros, um sortilégio.

Continuando, olhou um por um, deu uma parada proposital e, falando diretamente à mulher do 34, completou –Por que a senhora não experimenta a liberdade conquistada nos tempos modernos e segue o exemplo da moça? Talvez não vá ter tanto púbico, mas pode ter certeza que só irá lhe fazer bem...

Não precisa dizer que esta fala foi o estopim que faltava para desencadear não só uma crise dentro da assembléia, como uma crise de falta de ar na beata, já quase aos prantos.

As mulheres, imbuídas do espírito de união feminino, uniram-se em torno dela. Não iriam admitir tal afronta do rapaz. Quem ele pensava que era?

Os casados, engolindo o riso a contragosto, sentiam-se obrigados a não discordar das suas mulheres...

O síndico, vendo o alvoroço criado, pediu ao rapaz que não se tornasse inconveniente , pois a preocupação da moradora do 34 parecia justa – tratava-se da moral e dos bons costumes.

O rapaz do 53, sem perder a calma, respondeu não ter tido a intenção de ser desagradável. Apenas achava que se havia alguém atrapalhando, esse alguém não era a moça, mas o prédio deles que se instalou na frente da janela dela, invadindo a sua intimidade.

Disse também que, pelo visto, ela não só aceitou pacificamente esta invasão, como aprendera a conviver com este infortúnio. Ninguém a vira brigando para que deixassem de fazer plantão em frente à sua janela.

Aproveitando a perplexidade de todos, encerrou aconselhando-os a refletir sobre o que realmente estava incomodando-os – a nudez da moça ou o fato dela não se preocupar com a bisbilhotice deles? Afinal, se pensassem um pouco, bastava ligar a Tv para se depararem, a qualquer hora do dia, com cenas mais quentes e ousadas de se ver...

Satisfeito com suas colocações, pediu licença, retirou-se da assembléia e foi dormir. No dia seguinte, colocou o seu novíssimo apartamento à venda. A beleza do novo chocava-se com a mente velha e reacionária dos vizinhos. Não desejava conviver com esta pobreza de espírito...

Os dias se passaram, o boato ultrapassou as fronteiras do prédio e chegou ao apartamento da moça. Esta, emocionada com tal defesa, fez questão de conhecer o seu defensor. Tamanha fora a afinidade entre os dois que acabaram se apaixonando e ela o levou para morar consigo...

Esta confusão também rendeu ao síndico o desejo de abrir mão de seu cargo. O qual pretende formalizar esta renúncia na próxima assembléia extraordinária. Desta vez requerida pela ala masculina do edifício.

Pelo que se comenta, agora, são eles que não estão agüentando conviver com os suspiros lançados por suas mulheres em direção ao ex-vizinho do 53 – atual companheiro da moça do prédio vizinho.

Comenta-se também que eles abandonaram as sacadas. Raivosos, argumentam que o nível de poluição visual está muito alto – capítulos diários, repletos de jantares a vela e a luz meio ambiente, produzidos pelos pelados românticos do prédio vizinho.

Se não bastasse, querem, a todo custo, convencer os demais moradores do quanto tem sido pernicioso o exemplo do casal – até a vizinha do 34 abandonara o terço, as missas diárias, a fofoca na porta da igreja e vive hoje circulando pelada dentro do seu apartamento.

Para alegria dos pais e apreensão das crianças do prédio vizinho, é claro!

Pelo que se sabe, a garotada anda dormindo cedo ultimamente. Morrem de medo das ameaças paternas se cumprirem – “dorme nenê, senão a bruxa do 34 vem pegar...”.

 

fale com a autora

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.