OUTRO AMOR
Ro Druhens

 

Eu era o gosto azedo de fim de festa, o rímel que pintava as olheiras, o batom desperdiçado nos guardanapos.

Eu nem era, ao menos, um original, mas um pôster vagabundo, comprado numa esquina de feira. Uma imitação. Uma falha. Um hiato. Uma crise de mal-querença. Desavença do casamento dele.

Ele, uma puta imitação de homem. Indigno com seus presentes de segunda. Segunda mão, segunda-feira, segunda mulher na cama dele.

Indignada mulher, eu. A eterna crise cravada na outra história. O avesso do avesso. O outro lado de coisa nenhuma. A Coisa Nenhuma que levava os filhos para o colégio, num carrinho popular, mas do ano. Ano de que?

Por todos os anos desde o dia do sim sempre houvera alguém no papel de A Outra. Disso eu sempre soube.

Até conheci algumas coadjuvantes desse burlesco de quinta.

Quinta-feira, o último dia da semana.

Sexta era dia de casa em condomínio de praia. Praia em beira de lagoa. Financiamento da CEF. A caixa preta dessa história guardava histórias todas tão parecidas.

Mas a gente começa sabendo o fim. É como se começasse do fim na esperança babaca de que o começo pudesse ser diverso. Adverso e contrário o modo de contar uma história sem história.

E ele era careca.

Há três anos nem cartão de natal recebia do dentista. Talvez por isso sorrisse pouco. Sorriso podre, sem direito nem a Feliz Natal.

A cerveja de domingo, na hora do futebol, deixara as marcas do gol naquela barriga. Imensa. Arrebentava as casas dos botões.

E pagava a pizza com grana, viva, amassada no bolso da bermuda.

Unha grande no dedo mindinho. Caspa. Acreditava em São Jorge, acendia velas de sete dias. Defumava a casa no último dia do ano.

Cafona.

Cafona o bilhete fajuto, tentativa de carta anônima.

Fingi que acreditei.

Fingi durante tanto tempo que não fazia mais diferença alguma.

Eu, a imitação da Mulher. Bijuteria de camelô. Vinho nacional.

A Outra.


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