NO CIPOAL, UMA SINA
Juraci

Naquela manhã embaçada, ainda bem cedo, Lika, a Liquinha, saiu de casa para buscar o pão, apenas com o suco de laranja. Já um calor insuportável. Ficava longe a padaria. Um bairro em construção ainda não abrigava o pão quentinho da alvorada. Ela, muito jovem quase não dava conta de comandar a bicicleta de adulto. O cabelo longo e encaracolado se esparramava nas costas e uma enorme “pastinha” teimava em cobrir-lhe os olhos. Tantas vezes pedira a mãe para aparar o cabelo que cobria a testa, mas um sempre “na próxima lua eu corto” tivera como resposta.
O cabelo quase feria a retina. Foi num desses tapa-olhos que não viu o buraco aprofundado no acostamento do asfalto. Caiu de quatro. Também a corrente da bicicleta. Escondeu a dor do abdômen com um gemido suado.
Um homem cambaleante, com roupas sujas e coloridas, se aproxima e oferece socorro. Com embriaguez visível, tenta consertar a corrente que escorrega e não encaixa. Os elos do seu corpo também não querem ficar de pé. Ele se desgoverna, cai, levanta. Oferece balas que recebeu de troco da última compra da garrafa de cachaça. Ela aceita. Parece prestativo e empurra a bicicleta para a próxima oficina, “ali pertinho”. Caminho longo se torna. Tomaram estrada diferente, de chão batido, de terra, estreitinha, mato alto nas laterais. A garota já era obrigada a seguir um caminho indicado pelo bêbado. As unhas sujas fincadas no antebraço não lhe davam outra opção. Viu-se emaranhada num ermo de cipoal que a impedia de caminhar com a pressa que o homem exigia apesar de trôpego. Sentia fome e sede. Logrou continuar. Empacou-se como uma estaca. Um empurrão pesado derrubou-a sobre folhas e galhos secos. Cansaço intenso se misturava ao perigo. Ninguém por perto, só o silêncio do silêncio. Lika ensaia uma corrida sendo lograda por tropeços consecutivos. Ele a amarra de pés juntos com cipó verde. Ela chora, grita. O olhar bêbado escorrega sobre a mocinha “encipoada”.
“Ah, Lázaro! Como você é um felizardo! Uma rolinha na sua arapuca!”- pensa satisfeito em voz alta.
Lázaro atreve-se mais e mordisca-a no pescoço, no rosto, no botão de seio a nascer. Solta o bafo em sua orelha, passa a língua nos tenros lóbulos. Ela morde, esperneia, fica brava aos gritos. Ele pega a sacola de pão, rasga-a em tiras, amordaça-a sem dó. Os dedos sujos tocam o pescoço, a barriga, as partes íntimas. Sobem e descem. A língua encharcada percorre pontos secretos do seu corpo pequeno.
O choro abafado, a braveza dela e a apreensão de passar alguém por ali o excitam mais e mais.
Com os dentes cariados, destampa a garrafa de pinga e vira goela abaixo da sua presa, na marra. Ela tosse, engasga, vomita. Ele lambe a pinga derramada sobre a pele tenra. Estala os lábios, estava gostoso; pudesse retardaria o sol. Mais pinga, mais lambida. Não acreditava em Deus, em justiça. A sua justiça lhe importava misturada com o prazer, o seu prazer.
Afasta-se um pouco, cambaleia, inclina, fita-a como que enfeitiçado pelo tamanho do desejo que o envolve. Fazia tempo não se sentia assim tão vigoroso, membro avolumado, fervente entre as calças imundas. “Talvez precisasse de incentivos mais atraentes, assim junto ao perigo”, pensa.
Sem mais demora rasga o pequeno e roto vestido de chita azul.
Passa preguiçosa a tarde isolada para Lika. Gotas de poeira dançam nas folhas amareladas ao som de rajadas de vento quente. Parece vir uma tempestade repentina. Lázaro toma o fôlego, observa o ambiente, o esconderijo, o matagal que o protege e esconde a vítima. Lentamente se aproxima descontrolado; gotas de suor na testa, do corpo exalam cachaça, cerveja, vinho. Havia bebido tudo e todas, dias e noites seguidos. Derrama o restante da pinga sobre a cabeça de Lika, escorre sobre os olhos, face, umbigo, vagina. Com a boca entreaberta num tesão louco, a língua úmida suga tudo. Ela desfalece, ele mais excitado.Tesão de macho, de homem aceso, estava ali. Não prolongaria mais...
Deitou sobre ela e num furioso desejo, abraçou-a com fúria selvagem. Mordeu, beliscou, chupou as miniaturas róseas. Afastou bruscamente as pequenas pernas. Abrira-lhe a coxa magra para a imobilizar com o seu peso, o seu corpo mal cheiroso. Bufava como um leão enfurecido. Os olhos vesgos traduziam todo o tesão que sentia naquele momento. Encaixou com dificuldade o membro viril, e derramou seu fel represado. Devorou pedaço por pedaço da carne quente e inerte, desvanecida.O dedo de Lázaro vasculhava num destempero medonho. Lambia tudo, o suor da face, do ventre, da vulva. Lavava o seu próprio esperma misturado com o sangue, nas coxas, no vestíbulo vaginal inchado. Orgulhava-se todo do seu fervor de homem, da sua virilidade. O coração batendo forte, muito forte, suspirou, caiu de lado, relaxou olhando o vergar do sol. A dor alheia ignorada. Fora navalhada, por dentro e por fora partindo toda em pedaços. O desamor abriu pegadas profundas, cicatrizes com feridas vivas na alma jovem. Nada a fizera sofrer tanto. Dores por todo o corpo sabia que não ia resistir. Não dava conta de mover um dedo muito menos de rezar. Não sentiu e nem viu mais nada.

Não satisfeito com sua façanha e mesmo para não ser reconhecido depois na cidade, decidiu dar um fim nela logo que a noite chegasse. Não cometeria deslizes. Vez em quando um olhar de espreita mesmo sabendo que ali era um lugar de difícil acesso.
E quando a noite chegou, Lázaro pepinou-a com a ponta do seu canivete. Muitas furadas nas costas, coluna e ventre. Retalhou aquele corpo sem piedade. Abusou-a ainda sexualmente num desejo enfurecido, acreditou que seria capaz de amar, do seu jeito, numa nova aventura maligna. E depois desse amor infernal, pensando que não havia mais resto de vida, cobriu-a com galhos e folhagens verdes.
Ninguém por perto. A lua derramava raios sobre as cores do cipoal palco dessa tragédia medonha.
Tranqüilamente o monstro voltou para casa, agora mais lúcido. Dormiu como um porco gordo. Nada observou a família do maníaco. Algumas perguntas corriqueiras e só. A mãe da menina nas buscas com a polícia, sem êxito.
Quando o dia amanheceu, um lenheiro, ao pegar um daqueles galhos escutou um gemido longo e distanciado. Mais outro e foi despertada a sua curiosidade. Tamanho foi o susto quando viu aquela desgraça mal acabada. Polícia, corpo de bombeiros avisados. Lika fora atendida num hospital no primeiro momento, mas enviada para fora à procura de melhores tratamentos. Paralisada metade do corpo ainda conseguiu dar pistas sobre a camisa em que ele usava para que o malfeitor fosse preso e houvesse justiça.

O destino é mesmo surpreendente. O irmão do monstro, rapaz direito, trabalhador, estava usando a camisa do crime quando fora algemado pela polícia...

 

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