O GOSTO AMARGO DO FIM
Thaty Marcondes

 

Fechou as cortinas com calma, prestando atenção em cada prega do tecido fino, em cada mancha-mácula-marca do amor que se foi.

Trocou a roupa de cama, lavou o corpo esfregando cada curva, cada ruga, cada lembrança, na tentativa de tirar totalmente do quarto e de seu corpo qualquer resquício dele. Não queria mais sentir o seu cheiro, não queria se deparar com um fio sequer de cabelo dele. Ocupou a parte que era dele no guarda-roupa com seus “apetrechos descartáveis”, como ele dizia: bolsas, sapatos, a caixa de fotografias. Os livros, acomodou-os na mesa de cabeceira dele que era bem maior que a sua, claro, pois ele sempre escolhia o melhor para si.

Passou a casa em revista para ver se ele havia esquecido algo e o que teria levado que não fosse de seu, além do amor próprio, da vaidade e do amor que ela sentiu, o qual ele mesmo despertou e destruiu.

Ele simplesmente levou as toalhas de banho novas que ela comprou, e largou os trapos felpudos velhos do seu enxoval de chegada. Ela não tinha mais condições de ficar nervosa com nenhum desaforo. Dele tudo se podia esperar. Quem sabe até uma pensão pedindo “honorários” pelo sexo, ou “danos morais”, ou qualquer coisa que algum advogado desumano achasse que por lei lhe daria direitos de acabar de vez com ela?

Voltando à realidade, viu que ele levara todos cds. Alguns ela salvara, pois já tinha escondido. Mas ele esqueceu os livros. Se viesse buscá-los ela trocaria pelos cds pessoais dela, que ele levara. E se não viesse ela haveria de queimá-los, só de raiva.

Olhou a casa vazia e ficou pensando o que fazer com aquele espaço tão grande. Chegou a pensar em abrir algum negócio.
Súbito, uma idéia. Resolveu que venderia a casa, mudaria de cidade e ia não sei pra onde. Recomeçaria a vida onde e como quisesse. Afinal, agora era pássaro livre.

Subiu, voltou ao quarto, sentou-se à beira da cama e começou a chorar. Ela sabia que estava certa em fazer o que fez, mas não gostava da solidão. Na boca, o gosto amargo do amor que se foi, deixando-a vazia e murcha de vida.

 

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