ARMADILHAS DO TEMPO ou QUANDO ÉRAMOS JOVENS
Bruno Freitas

Quando eu era jovem, eu tinha uma pressa incrível em crescer e alcançar minha liberdade como indivíduo. Liberdade de viajar para onde quisesse, beber o que quisesse, ir onde quisesse e até mesmo de passar a mão na bunda do guarda quando e como quisesse.

Acontece que essa liberdade é uma grande farsa, ela não existe. Não tenho mais liberdade hoje que anos atrás quando era jovem. Quantas pessoas já mencionaram a velha frase chavão de que queriam ter de volta a flor da juventude junto com a experiência de vida da velhice. Eu ainda não... Mas com certeza, já iniciei algum texto do mesmo modo que iniciei estas linhas de hoje, mas acalme-se, hoje eu vou para um lugar diferente.

Quero dizer com toda essa introdução, que quando somos jovens e cheios de vidas, e de planos para o futuro, não imaginávamos a vida realmente como ela é. Pois, agora que crescemos, somos atropelados pelo presente e por nossa tão almejada liberdade que nem temos mais tempo de traçar alguns planos para o futuro. Essa volta toda só pra dizer que estamos ficando velhos. Sim, meu caro, estamos ficando velhos, ou você não reparou que os cabelos agora caem com mais ferocidade ante a escova, e que as mãos já não seguram mais a xícara como outrora.

Antigamente, quando éramos jovens, podíamos ficar dias sem tomar banho só pra brincar de sermos punks e nem fedíamos tanto assim - eu nem usava desodorante. Chulé nem pensar, às vezes nem era preciso se abaixar pra lavar os pés, e podia-se até usar tênis sem meia que não tinha problema algum. Mau hálito não era conosco, eu mesmo podia acordar sem escovar os dentes que nem sentia desconforto algum.

Hoje em dia, nada disso é mais possível. Se eu sair de casa sem usar desodorante é um deus nos acuda. O desconforto do mau hálito após acordar é indescritível, sem falar nas frieiras dos pés, suas rachaduras, e o chulé insuportável após um dia de trabalho.

Tudo isso, me leva a crer que nós, seres humanos, estamos apodrecendo em vida. Então, envelhecer nada mais é que iniciar um estado de decomposição. Seria mais um estado de putrefação, já que o fluídos corporais são cada vez piores. Os peidos são mais fedidos, os arrotos mais constantes e impossíveis de evitar. Sem falar nas unhas encravadas que outrora não haviam, e que agora expelem o grosso pus da decomposição corporal. Vamos enrugando, encolhendo, e perdendo toda capacidade de fazer o que fazíamos tão bem quando éramos jovens.

Dizem que envelhecer é um estado de espírito, mas só se for espírito em estado de decomposição avançada. Quando você menos esperar, aquele gás decorrente do almoço, que antes nem te incomodava, vai te assombrar numa reunião de trabalho e você vai ter de suar e se apertar pra não soltar aquela coisa horrível, que vai denunciar seu estado de putrefação atual.

Envelhecer é uma armadilha do tempo para nos pegar de surpresa e desprevenidos. Sem que percebamos estamos velhos demais, e podres demais pra avaliar nossa situação. É um caminho sem volta, e eu que queria crescer logo e virar um adulto o mais rápido possível, agora, eu quero continuar jovem o tanto quanto for possível.

Então, eu me lembrei de uma canção do Belchior que dizia: “...e você que é mal-passado e que não vê, que o novo sempre vê...”. Primeiro, é exatamente assim que eu me sinto, como um bife mal passado apodrecendo na calçada, esperando chegar um urubu, e segundo, o novo não vê porra nenhuma, se visse saberia o que eu estou falando.

Acontece, que a música de Belchior não é “mal-passado”, e sim “ama o passado”, mas bem que podia ser, porque encaixou direitinho no tema desta crônica.

 

fale com o autor

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.