POEIRA
Beto Muniz

 
 

Sentado num canto qualquer da varanda empoeirada por mais um final de tarde vermelho, divago sobre assuntos que, por si e em si, não se justificam nem valem o tempo que neles desperdiço. Confinado neste lado ensolarado do mundo onde tudo é mais querido, demorado e sofrido contemplo cenas antigas, imaginárias, onde belezas verdes desfilam diante de meus olhos sonhadores. Miragens breves que se desfazem na primeira poeira soprada pelo bafo quente do vento. Nos agora pastos ressecados, bois, cabras, calangos, pássaros e cães, modorrentos animais do campo, dormitam sedentos e famintos numa passiva agonia compartilhada comigo e com o sol poente.

Minha mão espalma uma mosca solitária que procurava solidariedade no suor salgado de minha fronte, essa barreira óssea protetora de atormentadas divagações que brotam como gotas de suor. Semi-cerro os olhos contra o clarão moribundo tentando vislumbrar no horizonte vermelho alguma nuvem. Ao menos uma. Ela é tão desejada por mim quanto por esse chão de terra batida e ressequida feito pele em osso de defunto antigo.

Numa prece muda a um deus ausente, imploro pelo fim dessa despropositada judiação. As divagações, antes inconseqüentes e sem destino, encontram no recém-lembrado réu etéreo campo fértil para semear revoltas incompreensíveis. Blasfemo contra o criador que abunda esse chão com pó marrom, o céu com essa vermelha sequidão e não provê o verde almejado. Lanço tais heresias amparadas na revolta para depois entrar em conflito interior. A fé retorna e imploro perdão devotadamente arrependido. Na busca das razões desse sofrimento coletivo parto penitente numa viagem pelas lembranças do ontem.

Mea-culpa! Encontro justificativas. Minha máxima culpa sim, o descaso ao culto dominical em tempos de verdes veredas e abundantes vacas gordas. Levanto os olhos e diante de mim, além da cerca divisória, ondas de fiapos secos formam outro mar nos outrora verdejantes pastos vizinhos. Então pergunto ao meu espírito atormentado se paga pela minha displicência espiritual o gado faminto do compadre carola.

Anseio entender a causa desse castigo pardo-poeira ressecado e insisto na procura por explicações. Sendo eu o provável devedor, por que devem penar em penitência também estes bois, cabras, calangos, pássaros e cão?

Talvez a causa da Divina indignação seja luxúria do Carijó, o adúltero desse terreiro. Não sei ao certo se lê meus pensamentos quando se empluma, cacareja e segue insistindo no pecado e na libertinagem o galo desidratado e faminto. Penso em sacrificá-lo enquanto ele cisca para as frangas.

Um sacrifício baixaria a poeira?

Deixo o pobre. Alguém tira proveito dessa seca condenação. Estando as galinhas tão preguiçosas, nem ânimo sobra para fugir às investidas do galã. E perco mais uma tarde, vendo o Carijó se esbaldar.

Se a causa está nesse pecado, então teremos seca pra mais de mês.

 
 

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