A CADERNETA DE TELEFONES
Ubirajara Varela

Bom dia.

Pois não, o que deseja?

Gostaria de contratar os seus serviços.

Sei. Como você chegou até mim?

Um amigo meu, Walter, contratou os seus préstimos há algum tempo e ficou muito satisfeito com os resultados. Então, resolvi remexer na caderneta de telefones dele, onde encontrei o seu nome. Aliás, a caderneta dele era bem completa, tinha de tudo para todas as situações. Foi a única coisa que ele me deixou.

Por que deixou? O Walter viajou?

O Walter morreu. Infelizmente. Infecção alimentar, afirmaram os médicos.

Morreu? Mais um infeliz que se vai, então. Bom... Por ele, não posso fazer mais nada. Mas por você eu posso. Sendo assim, vamos direto ao ponto. Marcamos um encontro amanhã, às 18h45, no Café Colonial. Você sabe onde fica o Café Colonial, não sabe?

Sei.

Leve todos os dados do cidadão que você quer que eu dê sumiço: fotos, endereço, lugares que freqüenta, tudo o que souber ajudará. Trataremos também do acerto. Metade antes do serviço e outra metade quando for finalizado. Não se atrase, não avise nem leve ninguém com você. Estarei vestindo uma camisa azul marinho, com uma rosa bordada em branco nas costas. Ah, leve também a caderneta do Walter.

Cheguei mais cedo ao Café. Estava vazio. Só um homem sentado numa mesa de canto, fumando e lendo jornal. Estava com uma blusa cáqui. Ele nem se mexeu quando entrei. Sentei no balcão, pedi um café à garçonete.

Eu estava ansioso. Nunca tinha visto o sujeito com quem combinara o encontro. Sabia apenas que seu codinome era Piloto e vestiria a tal blusa bordada.

A cada minuto que passava, eu conferia o relógio. Às dezoito e quarenta e cinco em ponto, o sujeito que estava sentado na mesa do canto levantou-se e veio ao meu encontro.

Vamos tratar do nosso negócio. Trouxe tudo o que pedi?

Piloto?

Isso mesmo.

E a blusa azul?

Mudei de idéia.

Passei todas as informações de que dispunha para ele. Ficou um relatório bem completo. Não me esqueci de nada, até a caderneta do Walter estava lá, com o número de Piloto.

Vou estudar o sujeito. Daqui a sete dias, eu te ligo, pra marcar nosso próximo encontro e receber a primeira parte do pagamento.

Tudo bem, vou aguardar.

Uma semana depois, Piloto me ligou. Era cinco e quinze da manhã.

Conhece a barbearia do careca? Fica perto da sua casa. Vou estar lá hoje às nove te esperando. Leve o dinheiro numa sacola de plástico, dessas que dão para a gente carregar compras de supermercado. Use umas três ou quatro, assim o conteúdo não fica à vista.

Certo!, respondi com sonolência.

Às nove, eu estava na barbearia. Piloto, sentado na cadeira, vestindo um sobretudo branco, como os que os barbeiros cobrem os seus clientes, estava fazendo a barba e disse para que eu esperasse um pouco. Peguei um jornal para ler e passar o tempo.

Escute, disse Piloto. Já está tudo acertado. Dentro de três dias, você vai até a banca, compra um jornal como este que está lendo, abra na página dos obituários e verá aquilo que me pediu. Depois disso, apague o meu nome de todas as cadernetas telefônicas onde possa tê-lo anotado, não cometa o mesmo erro do seu amigo. Só pretendo voltar a vê-lo uma vez mais, para receber a outra parte do pagamento. Eu lhe procurarei.

**************

Três dias depois, acordei, tomei meu desjejum, fui até a banca e comprei um jornal. Assim como Piloto havia me instruído. Abri, o nome do infeliz estava lá, em letras negritadas: falecimento acidental. Pronto, pensei comigo. Estou livre daquele canalha.

À tarde, o telefone tocou. Era Piloto. Marcou o nosso encontro numa praça deserta, que também ficava perto de minha casa.

Trouxe o dinheiro?, perguntou apressado.

Sim.

Em sacolas plásticas de supermercado?

Tá tudo aqui, pode conferir.

Que bom! Apagou o meu nome da sua caderneta?

Respondi que sim.

Escuta, disse Piloto. Está com fome?

Por que?

Comprei essa lasanha, mas estou com gastrite e não poderei saboreá-la. Leve para você comer em casa. Fica como um presente, para que encerremos os nossos negócios com simpatia.

Obrigado.

**************

Dois dias depois, meu nome sairia na lista dos obituários do jornal matutino, seguido da frase: falecimento por infecção alimentar.

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