EXÍLIO
Vic Laurel

 

Carregava os sapatos numa mão, a mesma que girou com dificuldade a maçaneta depois de girar a chave. Atravessou o batente a passos cautelosos, para não fazer estalar o chão de madeira já meio esquecido no tempo. Não conseguiu evitar o agudo ranger da porta ao fechá-la, mas sabia que aquele barulho não era tanto a ponto de chamar a atenção de qualquer ouvido. Pé ante pé, ganhou a sala do apartamento.

Não havia ninguém ali, já não era mesmo hora para isso. O quarto não estava longe, e por baixo da porta podia ver um fio de luz, provavelmente o abajur aceso como toda noite ela deixava. Seguiu sem hesitar, mas cheio de dúvidas quanto à decisão de voltar para casa depois da fuga estratégica de alguns dias. Não era a primeira vez que ele saía de casa após uma briga com a mulher, mas nunca antes ela tivera tanta razão quanto naquela quarta-feira – a razão era tanta que ela sequer precisou pedir que ele fosse embora, ele apenas pegou sua maleta, colocou umas roupas e foi.

Estava de volta do exílio, mas não sabia ainda se podia estar. Entrou no quarto, apagou o abajur. Nenhum sinal de reprovação, ao menos não até aquele instante. Talvez ele estivesse seguro, talvez ela estivesse dormindo. Afrouxou a gravata, colocou os sapatos ao lado do cabideiro, exatamente como faria num dia normal, mas em silêncio absoluto.

O lado esquerdo da cama estava vazio, como se a mulher esperasse sua chegada. Era o que ele escolhia acreditar, mesmo sabendo que ela poderia muito bem ter se encolhido com o frio. Puxou o edredom, afastou o lençol. Deitou na cama com todo cuidado, mas todo cuidado não foi o bastante para evitar o suspiro cansado da mulher, aquele suspiro de quem é acordado no meio do quinto sono. Já ia se levantando, pronto para ir embora aos gritos, quando ouviu a voz sonolenta:

– Fica.

Terminou de deitar, abraçou de leve o corpo dela.

– Posso?

– Uhum – ela murmurou um gemido.

Apertou o abraço. Dormiram.


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