ENFERMEIRA SANDRA
Diogo Bercito
 
 

Enfermeira Sandra lixava suas unhas enquanto dançava com os olhos no ritmo do pendulo de um relógio esquecido no canto da sala. Suas pernas estavam jogadas por cima da mesa do seu chefe e ela não se importava se ele a demitiria por isso; o infeliz nem iria ver, imagine só, a única que tinha que trabalhar naq uele horário inóspito era ela. Só ela. E, pouco a pouco, ela entrou em harmonia com o som do relógio e começou a lixar a unha do seu dedo mindinho em um compasso enlouquecedor. Três minutos depois, jogou a lixa longe, levantou-se e andou pela sala.

Sua mente estava longe, sua imaginação atravessava nuvens que ela nunca sonhara tocar... Tudo que restava era seu corpo, de onde a vida esvaecia com o tempo. O telefone tocou. Ela torceu o nariz, deixou suas pálpebras caírem, limpou um fiapo de manga que estava preso no seu dente e foi em sua direção.

Ela sabia quem deveria estar ligando, ela sempre sabia; sempre sabia e fingia que não. Pensava que era engano, pensava que era sua mãe, perguntando como ela estava... Mas sua mãe já tinha morrido fazia anos e, fantasiando ou não, era sempre a ligação que ela evitava.

Sim. Era ele, mais uma vez. Usou meias palavras com falsa atenção e empolgação -para que era paga, afinal - e teve que ir, mais uma vez. Sempre partindo, correndo, fugindo... Olhou-se no espelho, ajustou seu chapéu ridículo, retocou a pinta falsa e checou suas unhas. Sim, estavam lixadas como deveriam.

Passou pela recepção, deu um sorriso amarelo para a recepcionista - maldita gorda devassa - e pegou o elevador. E, dentro do elevador, deixou-se deslizar e chorar por alguns segundos, recompondo-se antes que a porta abrisse novamente.

Enquanto seguia para o local de encontro, acendeu um cigarro e segurou-os com seus dedos cheios de calos; estava ficando velha, a boa e velha Enfermeira Sandra, antigo símbolo de uma antiga tradição, agora tão desgastada, tão esquecida.

Mais uma vez, chorou.

Ele veio, levou-a e ela teve que colocar seus poderes de cura mais uma vez em ação. Quantas vezes ele pedisse, ela o faria. Era sorte dela que alguém ainda precisasse de uma enfermeira como ela.

Chegou em casa, cansada e suja. Seu batom borrado. Jogou-se no sofá e chorou, pela última vez naquele dia. Naquele dia. Porque ela, às vezes, queria ser alguém. Queria ter um nome que não fosse Enfermeira Sandra. Mas ninguém mais sabia que ela chamava-se Maria.

Alguns dias se passariam e ela, inevitavelmente, voltaria ao normal. Lixaria suas unhas, faria seu trabalho e dormiria no sofá. Porque se não se acostumasse com aquela vida, a sua, não poderia continuar.

E ela chorava, toda noite.

 
 

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