BAR
Raymundo Silveira
 
 

Vestia despojos de eleições. Comia quando havia. Não morava. Mas bebia. Passar podia sem vestir, comer nada e morar pouco. Beber sem? Nunca. Que bebida é quem dá vida. Só sentia vontade de viver quando bebia. Operar, pedir, não adiantava. Por isso adiava. Tinha como passar sem operar. Tinha quem desse sem pedir. Ofereciam. Às vezes até queriam forçar a aceitar. Cachaça, sim. Dinheiro, não. Por isso adorava ouvir a canção do Caetano. Pra que se amarrar em dinheiro se tinha quem desse o que precisava comprar? Bar! Um som tão pequeno pra uma ação tão grandiosa. Barbaridade!

Toda manhã tinha de tomar um rumo. Tão difícil, Deus meu! Tão mais fácil tomar um rum. Se não tomasse um rumo, nem cachaça tomaria. Que dirá rum. É difícil, sim. Quem diz que não, é mentiroso. Ou jamais provou o fel de uma ressaca. Com tremores. Com delírios. Com tudo. Contudo, é preciso. Há que arrebentar as correntes invisíveis que sujigam as pernas, o corpo a alma. Cada passada já passada um alívio. Cada passada por vir, um tormento. E o destino daquela via-sacra parece nem existir de tão pequeno que é o nome: Bar. Barbaridade!

Tanto inferno neste mundo, Deus meu. Tanta tortura. Mas não existe inferno maior do que um Bar fechado. Às sete da manhã. Ou quando o dono não deixa entrar. Mesmo tendo o maldito dinheiro não. Espanta a freguesia. O lucro da bebida não compensa o prejuízo de não vender o café, os ovos, o pão. Estas mesquinharias que os não bêbados têm de comer todo dia. Como se daquilo viesse alguma vontade de viver. Não entendo como se vive sem vontade. Não entendo como se sente vontade tomando café, comendo pães. Comendo ovos. Sinto náuseas quando vejo alguém comer. Ainda mais às sete da manhã.

Tenho de esperar, então, por dois milagres: que se abra o Bar e que o dono me deixe entrar. Estarei salvo nos casos ambos. Mesmo que não tenha dinheiro não. Ninguém se recusa a pagar. Descer não é fácil, a primeira. Se não voltar, é o Céu. Um amor. O amor, nunca provei, mas pelo que ouço que dele dizem, deve ser como depois da primeira. O não amor é a própria. Lá vem o dono. E ri. Eu rio. A vida sorri. Só ri! Bar. Barbaridade!

Entretanto, é terrível o durante enquanto. Espero em desespero quase. Sinto que o andamento lento do dono é só de mal. Será? Não. Se não ele não sorria. Sinto uma vontade louca de voar. Ou pelo menos caminhar até ele e que se apresse pedir. Tenho de me conter. Tenho de agüentar. Se não, entrar ele não deixa. Os não bêbados falam diferente. Eu estranho muito estranho o falar dos não bêbados. Palavras das suas bocas escorrer parecem. Como as águas de um riacho. Como a aguardente da garrafa para o copo. Muito difícil como um deles falar. Às vezes tento e consigo e não consigo às vezes comigo.

Chegou. Chegou o dono do Bar. Barbaridade! Já disse que entrar... Eu posso...

 
 

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