BRINCANDO DE MÉDICO
Waldyr Argento Júnior
 

Contam os mais antigos que existiu um garoto nos idos dos anos oitenta e que desde bem pequeno sonhava ser médico. O seu Onofre já não agüentava mais o moleque, era de manhã antes de zarpar para o batente, era a noite quando chegava da labuta ou antes de cair no sono. E após algumas semanas de insistentes pedidos ele acabou convencendo o chefe da família.

O dito cujo partiu sem pestanejar para a Saara em busca dos apetrechos de médico de araque. Procurou por mais de uma hora até que encontrou um kit de brinquedo completo. Ficou aliviado com a sua descoberta. Acreditava que seria o fim de seus problemas com o filho. Agora ele poderia brincar o dia inteiro e deixá-lo em paz.

Não preciso nem dizer que foi uma festa sua chegada ao lar. O pai passou então a sentir orgulho do menino que espantosamente sempre acertava seus palpites sobre diagnósticos de parentes e amigos. Certa vez detectou uma precoce gripe na empregada. Coincidência ou não, o garoto de cinco anos brincava de médico com desenvoltura de fazer inveja em muita gente grande.

E todos seguiam felizes suas vidas até o insólito e fatídico episódio da dor de cabeça do seu Onofre. O coroa tinha ido para a gandaia na noite anterior e não conseguiu levantar da cama no dia seguinte. Foi a primeira vez em vinte anos que o sujeito faltara o serviço.

O menino mal chegou da escola e foi advertido pela mãe para que não falasse alto pois o pai se encontrava na cama com uma baita dor de cabeça. Sem titubear o garoto indagou sua progenitora sobre a possibilidade de fazer uma consulta no seu velho. No princípio Dona Ermengarda não quis deixar, mas acabou cedendo na pressão devido a insistência do "pentelhocratinha" da medicina.

O garotinho colocou o termômetro, mediu a pressão, cutucou a barriga e olhou os olhos do pobre coitado. Após alguns minutos examinando a vítima, foi chamar a mãe. E diante dela e do paciente desferiu o golpe de misericórdia:

- Bom, ele chegou tarde ontem, né?

- Sim, lá pelas duas da matina. - rebateu Dona Ermengarda.

- Bem, então já sei o diagnóstico. - respondeu com convicção.

- Desembucha logo menino!

- Acho que o papai comeu uma mulher estragada ontem na rua...

 
 

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