CRUZES TRIDIMENSIONAIS
Eduardo Prearo
 

Ou dias confusos.

Sua graça? Hero.

Carrega pequenas cruzes que na verdade são componentes ou então reflexos de uma cruz maior, talvez imensa. Não sabe como chegar ao calvário, ao crânio. O desemprego é um componente da morte, o mar é morte. Mortos-vivos disfarçados de seres-humanos murmuram albergue, parecem átomos indestrutíveis. E Miss Psiquê os protege com seus leões indomáveis. Adoraria estar andando agora pelas ruas, inter pocula, mas o depois costuma ser horrível. Onde encontrar a água-viva, aquela que satisfaz perenemente as necessidades? Quero água-viva, quero água-viva! Água-viva? O senhor está insano? Não, acho que não estou insano; não é aquela que queima, que é dos mares, das mortes, incolor, gelatinosa; é aquela que alguém bebe e nunca mais sente sede, nunca mais! Hero escreve e ainda não tomou água-viva. Ele escreve em folhas de caderno sem pauta pra depois queimá-las na boca da privada.

"Devia ter ido ao cinema. De uns anos para cá
não tenho mais saído insatisfeito dele. Sou
um sem-vergonha quando com dinheiro, sou um
nojo, repugnante. Quero uma sunga de lycra
cirré (sic). Me pareceu tão linda a azul-céu!
R$49,00. Não posso gastar um centavo, mas se
não gasto com o que desejo, acabo gastando
mais com o que não desejo. Os homens por aqui
são na maioria dissolutinhos..."

Por vezes pensa que seu inferno será a miséria. Sim, devido à escassez. Ninguém se aproxima dele, ninguém que ele queira ou imagine ter. Hero está superespaventoso. Rã!Rã! Hoje se sentiu superbem-recebido ,mas ainda acha que é visto como um vadio em qualquer parte, pois desconhecidos só falam em emprego quando passam por ele. Não sabe se frequenta lugares gls, que idiota! Por que frequentar lugares gls é somente passar defronte deles a caminho do albergue? Se basta isso para frequentar, então ele frequenta. E dizem que os pais choram quando os filhos frequentam lugares assim e beijam pessoas do mesmo sexo na boca. Mas esses lugares agora estão sendo invadidos por mulheres heterossexuais. O motivo disso ninguém ousa dizer! Como tenho sorte com as mulheres.

"Sou um homem denso que não entende, que se o-
fende, que não alcança, que não é outra pessoa,
mas um lixo. Meus dias têm sido horríveis. Que-
rem me irritar de propósito? Não, ninguém tem
essa má intenção, mas talvez todo mundo tenha
uma má impressão (de mim)."

A pobreza vai chegar na semana que vem de novo. Deve ser por causa do 888 contido no seu nome, Hero não sei das quantas. Daqui a sete anos o mundo acaba para os Maias. Daqui a sete anos talvez eu esteja em outro país ou então mortinho (mas se não morrer, estarei aqui no Brasil). 21 de dezembro de 2012 é a data. O que vai ser das profecias de Nostradamus se a dos Maias se concretizar? Hero não aguenta mais a populaça dizendo albergue, albergue. Que estranho! E o pior é que ele já dormiu em um albergue. Lembra-se que nesse dia as pessoas dormiam pelo chão e sussurravam Sting.

"Pra quantos empregadores mais ainda me falta-
rá fogo? Querem-me fogoso e logo pensei no
ginseng. Como me sinto mal entrando num bar
e permanecendo sozinho em uma mesa ou no balcão
pelo resto da noite! -- Garçom, por favor, uma
taça de vinho francês! -- Hoje consegui cantar
I will always love you mais ou menos bem, pelo
menos pra mim mesmo. Não sei o porquê de não
suportar música. Acho, todavia, que sou boêmio.
Tentei depois cantar Cole Porter. Ah, o início
foi maravilhoso...I´ve got you under my skin...
coisa assim...mas me perdi e saí correndo do
palco!"

Não suporta a populaça, não sabe o que acontece. Eles estão infelizes também. Desde que Hero saiu da quitinete, da sua linda quitinete, por não ter mais capacidade de pagá-la, as coisas não tem melhorado pra que haja estabilidade na sua vida. O destino de Hero está na boca do povo, o destino de Hero talvez seja esse mesmo, ou seja, viver num albergue. É fatal! Hero não gosta de cheiro de mendigo, e a populaça de cigarro.

"É, pode ser verdade. Não quero ser mais sin-
cero para não julgarem-me alguma coisa qual-
quer que me ofenda, mas sinceridade não exis-
te; existe a idéia em si mesma sincera."

Odeia divisar tantas cruzes brancas num cemitério vasto, plano. Não há mais forças. Hero é indigno. Talvez sofra mais preconceito do que um negro. Joga bosta na Geni! Não, Hero está ficando parecido com Arnold. Daqui a algum tempo, os homens não sentirão mais vontade de escarrarem quando o virem, pois ele estará talvez mais musculoso. Tá, tá, tá, tá! Hero deve ser um daqueles de aparência inesquecível, não quero dizer marcante, mas queria dizer notável. Insurgente ele não é. Insurgente. A populaça é bem trabalhadeira, viu! Hero pega então sua xícara de Kopi Luwak e observa o mar. O mar é morte.

 
 

email do autor