O FUNCIONÁRIO
Kátia Rodrigues
 
 

A sala pouca iluminada, os corredores em silêncio. Lavava as mãos, secando-a em seguida com uma folha de papel áspera. Cada vez compram um papel pior, mais vagabundo, pensou. Entra gente sai gente e tudo continua na mesma; trocam-se os fornecedores por outros que possibilitem sobras que não vão para os nossos bolsos. Foi até o armário, pegou a chave no bolso da calça. Abriu o cadeado, a porta e pegou na mochila a garrafa de whisky e o copo: colocou-os num saco plástico. Quase pela metade, mas pra hoje dá. Fechou a porta, colocou o cadeado de volta, guardando o chaveiro.

Seguiu pelo corredor silencioso. Já trabalhava aqui quase há dez anos, e realmente sentia-se em casa. As quintas feiras ficava só por toda à noite, e se divertia. Desceu a escada e no hall, antes de entrar no corredor principal, pegou sobre a mesa o livro de ocorrências. Apanhou a prancheta com as fichas de hoje. Deu uma olhada nos nomes. Noite longa, muito trabalho. Passou pelas salas sem portas olhando de um lado pra outro, observando seus hóspedes. Respeitava-os, mas alguns o chamavam tanto, que perdia a paciência. Foi lendo seus nomes, e encaminhou-se a sala do fundo, à direita.

Estavam ali deitados. Ela era a única mulher da sala. Já estava lavada, pronta. No corpo não tinha marcas externas que dessem indício de algo. Uma pequena cicatriz sobre o púbis, os seios firmes de agora revelavam uma antiga flacidez. Os cabelos curtos deixavam a mostra o pescoço. Braços ao lado do corpo, mãos de unhas com jeito de garras. Sem esmalte, sem cor. Com a mão abriu o fecho da calça, soltando-a na cintura. Abriu o jaleco, afastou as pernas e pegou o pau quase duro, apontando-lhe para o ombro direito. Ficou assim em silêncio, os dedos apertados num círculo, com movimentos rápidos, tocando-lhe o corpo quieto. Olhava-a e com a mão esquerda, cobriu-lhe a boca, como para conter um grito.

Gozou sobre ela e depois com as duas mãos começou a massageá-la nos ombros, no colo, nos seios. Ficou um pouco mais assim, parado no mesmo lugar, até que a respiração se acalmasse. Fechou a calça, abotoou o jaleco displicentemente. Foi até seus pés e na etiqueta verificou o número. Na prancheta, conferiu as informações; apanhou uma folha na gaveta do móvel que estava atrás. Começou então a preencher os dados. Tirou do saco o copo e colocou uns dois dedos de whisky. Bebeu um longo gole e, enquanto sentia o gosto, vestiu as luvas. Apanhou na porta da direita, embaixo da gaveta, a serra. Começaria a autópsia pela calota craniana.

 
 

email do autor