CORPO POÉTICO
Rosi Luna
 
 

Uma semana depois daquela desabalada visita, sai debaixo das barbas do sol quente do Caribe, o homem que quase foi decapitado por um jovem rastro feminino que deixou apenas seu perfume - empregnado como uma marca.

Era Eglis Gonzales, cubano, um homem passado dos 50 anos, forte, de paletó roto com gravata roxa fora de moda, amigo de copo, bar e mulheres. Grande apreciador de charutos da marca "cohiba" e que ficava resignado num canto pensativo - olhando a fumaça se esvair no ar. Um ser introspectivo que não gostava de ser invadido nos seus espaços mais íntimos.

E foi assim, o toque na porta era batidas que mais parecia a criadagem do hotel. - Quando abri ela estava ali, não tive tempo de fugir.

Ela entrou sem pronunciar uma única palavra, foi até a janela e ficou apreciando o mar. Seus olhos pareciam correr felizes pela paisagem e por estar na minha presença. Cautelosamente tirou as sandálias fazendo questão de mostrar suas deliciosas pernas. Deitou-se em minha cama. - Não podia ser verdade.

Meu olhar incrédulo se deu conta que ela desabotoava sua blusa e deixava a mostra um pequeno porta seios de renda que constratava com a pela bronzeada.

Foi mais além e exibiu a minúscula e espetaculosa peça íntima, uma calcinha branca com uma suave transparência que dava pra antever o mar de pêlos e que me deixou em ponto de bala. Minha vontade era expulsa-la ou agarra-la nem sei , perdi a cabeça. Me sentia sendo decapitado por uma onda de desejo que não me deixava raciocinar nada concreto. Observei a miragem como se não fosse uma mulher que me queria, ensaiei um olhar de maior desdém.

Ela se levantou lânguida e linda foi até a mesa do canto e encheu um copo com água borbulhante. Não podia ser ela, tenho certeza que ela odeia água com gás. Queria mesmo que o momento fosse assim explosivo como as borbulhas da água. Uma oferenda feminina de corpo e copos. Era outra pessoa que estava ali, como ela poderia ser tantas mulheres numa só. Era uma dissimulada, uma bandida que sabia das artimanhas corporais. - Eu tenho meus escudos, não me rendo por nada. Me prostrei como no hino nacional "impávido colosso". De corpo e copos não vai me vencer!

Ela sorriu e se abriu, se espalhando na cama como uma rosa quando passa do ponto de botão. Era uma mulher feita, uma roseira brotando. Recolhi meus espinhos, esqueci tudo que pudesse ser racional. De copo e de corpos poéticos sei servir uma boa dose. Me fartei, num gozo literário que jamais pude imaginar que era tão profundo.

Amei o seu cheiro que se empregnou na minha pele como uma dessas especiarias naturais com cheiro de canela. Um odor tão particular que me faz pensar nela a cada minuto que o relógio se movimenta no meu pulso. Sinto sua pulsação arfante e os minutos que não posso voltar atrás. Porque não quis encontra-la? Me faço essa pergunta todos os dias. Devo ter uma vocação pra carrasco, para fazer sofrer. Ou sou apenas um homem decapitado pelo presente e pelas minhas incertezas.

Ela tinha poder de ser direta e eu de fechar os olhos e não vê-la. O corpo poético é assim bem delineado como uma frase bem escrita, tudo está lá, todas as pontuações e as emoções.

Me deixei preso nos parênteses de suas pernas que me cercaram como quem abraça letras importantes. Ela demorou mas finalmente percebeu que minha fuga era contra essa entrega. Soube que está escrevendo sobre amores que teve, ainda bem que isso nunca aconteceu. - Não quero fazer parte das linhas de escritores furtivos que querem seduzir com letras de corpo e copos.

Passado uma semana, a quem lhe pergunta sobre toda esta história, Eglis Gonzales, nega segurando o copo de rum "nunca vi essa mulher em minha vida".

 
 

email do autor