ALGUÉM SEMPRE VAI FALHAR
Bruno Pessa
 
 

Em qualquer jogo da vida, o objetivo maior é vencer. Mas marcar gols, para o boleiro, não lhe traz apenas vitórias. Assinalar um tento representa correr pro abraço, receber aplausos, entrar para a história. O momento sublime de êxtase coletivo que transforma anônimos em heróis. Enquanto todos extravasam, alguém abaixa a cabeça. Não tem jeito: onde há gol, existe goleiro derrotado. E o esporte segue colecionando amantes, em cima da imperfeição dos seus maiores estraga-prazeres. Ótimo, pois, se os goleiros fossem perfeitos, acabariam os gols e fatalmente o futebol.

Que função mais ingrata! Antes mesmo de sabermos o que é esquema tático já percebemos isso: quase nenhum garoto quer atuar sob as traves. E os obrigados a engolir esse amargo xarope preferem não ver a cor da bola, dando as costas para o atacante adversário e esquecendo que podem usar as mãos. Geralmente, os "escolhidos" são justamente os restantes da escolha dos times, por deficiência técnica ou excesso de delicadeza. Não é à toa que o número de goleiros está na proporção de um para quatro, seis ou dez, dependendo do tamanho do campo. Não ser impulsionado pela idéia de fazer gols, no futebol, não parece muito comum.

Goleiros podem surgir também em virtude de centímetros a mais de altura ou parafusos a menos de equilíbrio mental. A verdade é que têm como sina mesmo a coadjuvação eterna, por mais que suas intervenções abissais roubem a cena durante segundos. Costumam estar distantes e solitários quando saem os gols dos companheiros, na mesma freqüência com que são culpados por falhas que costumam surgir no ataque ou meio-de-campo. Como não há blocos televisivos exibindo as defesas da rodada, aos injustiçados resta aguardar por pênaltis mal batidos para chegar ao céu. Sim, porque se deu pra pegar é porque o jogador bateu mal...

Só uma espalmada pessoal: creio que preferi ser goleiro por uma razão diferente das citadas. Evidentemente, as ausências de habilidade para as demais posições e concorrência para esta também interferem. Mas vejo na questão algo de afetivo. O goleiro é privilegiado por passar mais tempo com a bola, a dois, e o casal vive se procurando - a bola tende ir ao gol, onde está o goleiro, que por sua vez caça a bola como seu bem mais precioso... Ainda bem que nenhuma relação é perfeita, e o futebol pode seguir colecionando amantes.

 
 

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