VILA ETERNIDADE
Edson Campolina
 
 

Ele alcançou a estrada tomando o estreito e poeirento caminho que lhe expulsava da velha caatinga - sua morada. Carregou seu corpo surrado e queimado pelo sol causticante por entre pirambeiras ameaçadoras e arbustos secos. Parou por um instante no início da nova estrada, respirou a brisa que lhe acariciava o rosto enrugado - parecia úmida de tão fresca, bem diferente do mormaço que lhe acompanhara pela vida. Entendia o motivo da caminhada, mas desconhecia a nova jornada que tomaria naquela estrada sinuosa coberta de cascalhos pontiagudos. Abismos ladeavam seu caminho, mas intimamente percebia serena segurança.

Sentiu saudades de sua viola tropeira e dos entardeceres de cantoria em sua varanda ao avistar a paisagem livre que os abismos lhe permitiam. De um lado a caatinga e sua velha morada de pau e barro pequenina no horizonte, do outro lado um vale de verde brilhoso nas copas das árvores com córregos cristalinos serpenteando-o. Veio à tona em sua memória uma velha cantiga que questionava tanto contraste. Mas também lhe vieram os ensinamentos do padre de sua vila, fiel companheiro da família, que pregava os pensamentos do Santo Agostinho dizendo: "A paciência de Deus convida os maus à penitência, como os flagelos adestram os bons na paciência". E foi com esta paciência nordestina que iniciou seus passos na subida da montanha.

O sol brilhava no céu de azul intenso. Brotava a vida no vale e ressecava e maltratava a esperança na caatinga. Mas ele, que nada tinha para carregar, perseverava. Deixara para trás tuas obras no pasto, seu amor, suas vitórias, suas ilusões e seus valores mundanos. Na estrada, seus pés castigados desenhavam um rastro de mais penitência e renitência. Subiu por longas horas até o topo da velha montanha, sem nuvens, um vento morno, estranho àquelas alturas, agora lhe aquecia.

Virou-se e observou o caminho percorrido, o vale, a caatinga. Instantaneamente passaram à sua frente seus rebentos descamisados tocando o pequeno rebanho de cabras, seu burro cansado de batente à sombra da palhoça e a lavoura de macaxeira quase seca. Estava só, mas não se sentia desamparado, suas virtudes lhe acompanhavam.

Venceu os últimos passos até o apogeu. De um grande portal de ferro enferrujado entreaberto surgiu um velho que lhe ofereceu as boas-vindas à Vila Eternidade. O velho era o anjo ancião que lhe deu uma bata branca de cordões roliços cruzados no peito que dali em diante substituiria suas vestes encouraçadas de nordestino. Longos jardins com ruelas retas o levaram até a comunidade. Viu famílias confraternizando-se sob sombras de árvores, casais lendo um para o outro em bancos de ferro branco, crianças sentadas em roda ouvindo contadores de histórias, velhos passeando por campos gramados. Ouvia-se um acalanto sobrevindo à sua entrada, o que fez com que os demais lhe percebessem e acenassem.

O velho anjo então lhe disse:

_ Bem aventurado tu és. Aqui receberás a preparação para a vida eterna onde só o infinito amor entre os próximos existe. A eternidade é a recompensa das virtudes, e tudo que aqui encontrares representa a eternidade: o rio que nunca seca, o verde que nunca desbota, a água sempre fresca, a flor que nunca murcha, o pássaro que nunca cala, o sorriso que é sempre espontâneo, a borboleta que nunca morre, o abraço que é sempre aconchegante e a vida que é sempre serena. Juntes-se a nós agora que seus pares virão num amanhecer como este.

Ele caminhou em direção aos velhos no campo, observado pelo anjo ancião, e encontrou seus pais unido-se a eles.

Fim

 
 

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