CAPRICHO FEMININO
J. F. Pinto
 
 

Minha mulher é daquelas que adoram uma boa missa e curtem um sermão bem feito. Eu, entretanto, como a grande maioria dos católicos brasileiros, ao menos os que conheço, sou dos que pouco vão a Igreja. Exceto em ocasiões sociais, como casamentos, batizados e funerais. Típico religioso relapso. Além disso, minha relação com a Santa Sé sempre foi um pouco conturbada.

Tecnicamente falando, sou um excomungado, por haver me divorciado em meu primeiro casamento. Mas nosso estremecido relacionamento vem de longe, começou quando eu era garotão, ainda imberbe. Até hoje muita gente me diz que tenho cara de padre, e se colocar um livro embaixo do braço: Pastor Protestante. Quem sabe da Universal? Pois bem, fui escolhido para ser o padre do casamento caipira da quadrilha da escola. Já havia até decorado o texto e inventado brincadeiras surpresa para a hora da folclórica cerimônia, quando me lembrei de que iria precisar de uma Batina. Acabei pedindo uma emprestada ao simpático e bondoso pároco da Igreja mais próxima. Até aí tudo bom, o problema foi que me encantei com a indumentária, era completa, tinha até barrete preto de três bicos. Não se desespere, eu também não sabia o que era "barrete", confesso que o sei por conta deste episódio: é o chapéu que os antigos padres usavam. Um luxo, vestido nela passaria por noviço "fashion" até dentro do Vaticano. Nunca a devolvi, terminou sendo meu uniforme nas homéricas bebedeiras de juventude, tendo seu fim no dia em que a furtaram do porta-malas do carro de um comparsa de noitadas. Teria sido a mando do Padre Eurico? Sempre tive minhas desconfianças.

Passados muitos anos, depois de desfeito meu primeiro casamento e de vários namoros temporários, conheci minha atual esposa, e, ao decidirmos nos casar, ela me contou que sua mãe, já com idade avançada e saúde abalada, era uma católica fervorosa, muito mais que ela própria, e que ficaria inconformada se nossa união não fosse abençoada por um Padre. Católico seria impossível, sugeri um bom Pastor, argumento logo rechaçado. Sua mãe teria um colapso se visse um Pastor no altar do casamento de sua caçula. Imediatamente me veio na cabeça o Menezes, amigo fiel, ator de teatro e, como eu, com cara de padre, mas daquelas de beato intercessor. Sugeri: "O Menezes é amigo de longa data, mas não freqüenta nossas casas, ninguém o conhece, eu arrumo uma batina para ele (quem sabe o Padre Eurico não teria outra, poderia até pagar, desta vez) e o "danado" nos casa. Afinal, ninguém vai pedir credencial ao padre antes do casamento, seria perfeito".

Minha mulher "bateu o pé", não aceitou a idéia de forma alguma. Por conseqüência, tive que passar por uma verdadeira via sacra. Conheci todo tipo de templo e casamenteiro de São Paulo. Quando a Igreja não era feia, era a cerimônia que diferia muito da católica, ou mesmo a roupa do religioso que não era batina (parece perseguição). Depois de muita procura, alugamos um recinto num hotel e Mimi arrumou um Bispo (subimos de patente) de uma igreja homóloga a Católica, destas dissidentes, ela disse: "Ele virá de batina e barrete, até Pai Nosso de mãos dadas teremos".

Ótimo, assim foi feito, com um pequeno deslize, o Bispo era já muito idoso e rezou o Pai Nosso de mãos dadas duas vezes. Mas isso passou, até argumentei com minha sogra que ele era caprichoso: "viu?... dois Pais Nossos!".

Satisfeito o desejo das duas pensei, depois desta não acho que precisarei aprontar novamente. Doce ilusão, meu filho Júnior nasceu, "seria um pecado mortal não batizarmos o menino na Igreja Católica. Depois de grande ele pode até não segui-la, mas temos obrigação de batiza-lo quando pequeno. Além do mais, o que não diria minha mãe?", novamente argumentou minha esposa. Lá fui eu, bati na Igreja aonde fora batizado, a mesma de onde surrupiara a batina, soubera que o velho padre se aposentara e saíra de lá. Mandaram-me à sacristia aonde encontrei uma senhora, funcionária da Igreja, e um senhor, que depois soube por minha irmã, assídua freqüentadora desta paróquia, tratar-se de um voluntário dos mais solícitos. Daqueles que antigamente chamávamos de "carola" ou "papa-hóstias". O dialogo que se seguiu foi o seguinte, disse a senhora:

- Será fácil, basta que os pais e padrinhos recolham uma pequena taxa e façam o cursinho de batismo, realizado numa noite, que marcamos a cerimônia.

- Tudo bem senhora. Mais alguma coisa?

- Sim, traga a certidão de nascimento do menino, e...Vocês são casados na Igreja?

- Sim, somos. (disse eu amarelo)

- Em qual paróquia?

Deus meu, pensei, fui pego desta vez? Mas, tive uma inspiração e lembrando-me que havia casado num hotel próximo à avenida Berrini, soltei:

- Veja como são as coisas, não consigo me lembrar do nome da Paróquia, somente sei que era numa travessa da avenida Berrini.

Súbito, o senhor que assistia calado nossa conversa atalhou exaltado:

- São Francisco de Brito!

- Como? (indaguei assustado. Estaria o bendito homem evocando algum Santo?).

- São Francisco de Brito, perto da Berrini só pode ser esta paróquia.

- Isso mesmo! É esta a paróquia, como pude me esquecer. Com certeza foi na São Francisco de Brito. Minha sogra é até devota deste Santo.

Salvo na última hora. Fizemos um lindo batizado. Graças a São Francisco de Brito e ao fato de existirem verdadeiros religiosos consegui novamente satisfazê-las. Afinal, para que mais existiríamos nós homens?

 
 

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