A MULHER QUE QUERIA SUCO
Osvaldo Pastorelli
 
 

- Maçã.

Dissera Roberta ao colocar a fruteira vazia em cima da mesa imaginando-a enfeitada com flores e com maçã.

- Isso mesmo, maçã. Você vai comprar. Que sejam daquelas vermelhas, sabe qual é? Peça para o rapaz escolher para você. Aquela banca que eu compro sempre.

Roberta tinha uma competência em flexionar a voz articulando as palavras que, ao invés de pedir, mandava. Roberto por mais que fizesse, nunca fazia como ela queria. Nunca ficava satisfeita, sempre surgia um grão de areia para atrapalhar. Na opinião da mulher, ele nunca fazia as coisas certas. Ela quer maçã, pensou.

- Que fosse comprar.

Sabia que ele não fazia nada do gosto dela! Não que ele fizesse de propósito, apesar de sempre acusá-lo disso, é que não tinha competência necessária que certos maridos tem de atingir o grau de exigência que as esposas necessitam para se sentirem casada.

- Que merda! - falou entre os dentes.

O sol do ardia no asfalto de domingo movimentado da feira.

- E olha tem que ser da barraca que sempre compro - pensou fazendo mentalmente os gestos da esposa.

Não era do seu feitio fazer a feira. Nunca fez feira, isto é, quando solteiro acompanhava a mãe mais para ajudá-la com as sacolas do que propriamente escolher, pedir, mandar embrulhar e pagar. Era sempre a mãe que fazia isso. Depois de casado tinha que comprar maçã! Que chatice.

A feira estava abarrotada, parecia que era a última do ano. Um vai e vem, um falatório, gritaria, carrinhos puxados por mulheres indolentes que pouco se preocupava se tinha alguém ou não ao lado.

- Ei, xará! - chamava quem quer que fosse por xará - Me vê uma dúzia de maçã das boas, por favor.

O rapaz olhou para ele como se dissesse:

- O senhor não tem mão?

Mas não disse nada. Escolheu as maçãs que achava as melhores e entregou para ele. Roberto olhou as frutas apertadas dentro do saco plástico, tirou uma que parecia não ser boa e trocou por outra. O rapaz viu a troca e disse:

- O que foi? Não gostou da minha escolha?

- Não, nada disso, é que... Quanto é?

- Cinco reais.

Pagou e segurando o saco de frutas fez o caminho de volta subindo toda a feira. Nisso a roda de um carinho passou por cima do seu pé. Fez uma careta.

- Desculpa, não vi o senhor - disse uma jovem acompanhada pela mãe.

Desculpa é! Agora só tem que pedir desculpa mesmo, ora bolas!

Chegando na avenida sentiu-se livre, não tinha mais o empurra-empurra da feira.

- Pronto. Está aqui as tuas maçãs - disse para a esposa jogando o saco em cima da mesa.

- Não precisa jogar. Assim você amassa a maçã.

- Quero que você a engula e não me encha o saco, está bem?

- Malcriado. Além do mais não sabe comprar mesmo - disse ela abrindo o saco e retirando as maçãs e olhando uma por uma minuciosamente.

- O que você disse?

- Disse que você é um imprestável, não sabe nem comprar maçã.

- Vá falar com o seu queridinho lá da banca que você gosta de comprar. Foi ele quem escolheu.

- Duvido que teve a coragem de pedir para o rapaz!

Roberto olhou para ela sentindo o sangue queimando o rosto.

- Isso é maçã que se apresente! Toda amassada. Preta.

- Quem quer bem feito faça e não pede, como dizia minha mãe.

- Não quero essa maçã.

- Então vá comprar outra.

- E vou mesmo.

E saiu batendo o portão. Passado um tempo, ela chegou falando alto:

- Olha! Isso é que é maçã.

Roberto pegou a que comprara e comparou com a que ela trouxe.

- Não vejo diferença nenhuma. São todas iguais.

- Larga de ser cretino. A que eu comprei está mais bonita que a sua. E quer saber de uma coisa?

- O que?

- O rapaz me disse que você não pediu nada para ele.

- Como não?

- Não pediu oras, estou te falando.

- E como é o rapaz? Se é que estamos falando do mesmo.

- Moreno, magro, rosto comprido, nariz pequeno...

- Como estava vestido?

- Camiseta verde e calça preta quase caindo.

- É esse mesmo.

- É, mas ele me disse que você não pediu para ele e eu acredito nele.

- O problema é seu, quer acreditar ou não pouco me importa, estou me lixando para ele e para você. Falei a verdade.

Roberto já estava com ódio, notava que os movimentos estavam se descontrolando. Trancou-se no escritório para não mais ouvir a falação da mulher. Precisava terminar um pequeno conto que pretendia mandar para os Anjos de Prata, quando a mulher bateu na porta.

- O que é - gritou.

- Faz suco de maçã para mim?

- Faça você.

- Poxa! Faz vai!

- Não vou fazer.

Imperou um relativo silencio, depois ouviu que ela descia as escadas.

- Droga!

Voltou a atenção para a tela do computador. O final do conto estava difícil, as idéias não se conectavam direito como queria. As palavras ficavam soltas, não se juntavam ligando umas às outras. Resolveu tomar uma cerveja. Desceu as escadas, passou pela sala, entrou na cozinha e não viu Roberta.

- Ué, onde ela se enfiou?

Abriu a geladeira, pegou a cerveja e ao se virar, deu de cara com a mulher bem atrás dele.

- Que merda, mulher. Vá assustar a nona.

- Você é um palhaço e mentiroso.

- O que?

- Além de mentir, não quer fazer o suco e vai tomar essa porcaria sem ligar para o que eu quero.

- Escuta aqui, mulher...

- Mulher não, sou tua esposa, tenho nome.

- Ah! Não me enche o saco.

- Ficar no computador horas e horas, você sabe ficar né? Mas para comprar maçã e fazer suco para mim não sabe, né idiota! Vou contar para os seus amigos da Net o que você é. Mentiroso, idiota que não sabe fazer nada.

- Está bem, cala a boca...

- Cala a boca não. Pensa que sou da sua laia, que sou tua mãe para mandar calar a boca que não sou não.

- Está bem, vou fazer o suco, mas, por favor, feche essa matraca - gritou jogando a lata de cerveja na pia da cozinha.

- Que palhaçada. Como você é infantil. Fica gritando. Se não quer fazer não precisa. Fazer com má vontade não quero.

Roberta saiu da cozinha. Foi para a sala e ligou a televisão. Dali a pouco escutou o barulho do liquidificador. Seus lábios sorriram num pequeno esgar satisfeito.

- Ganhei a batalha, disse pra si mesmo.

Roberto calmamente terminou de fazer o suco, colocou num copo e levou para a esposa.

- Pronto, queridinha, aqui está o seu suco.

- Obrigada.

Roberta pegou o copo e voltou a atenção para a televisão e, não viu que instantes depois, Roberto voltava com duas jarras cheias de suco.

- É suco que você quer, queridinha. Aqui está o suco para você. Quer mais?

Roberta olhou para ele, mas não teve tempo de responder. Pois Roberto despejou as duas jarras de suco em cima dela. O liquido escorreu pela cabeça molhando-a toda.

- É suco que você quer? Faça bom proveito dele.

E saiu batendo a porta que a foto dos dois, pendurada na parede caiu se espatifando no chão.

 
 

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