PRO-VISÃO
Edison Veiga Junior
 
 

Com triste dor percebo que as pessoas trabalham enquanto barulho, as pessoas cansam enquanto coço, as pessoas dormem enquanto como. Todas as constatações me chegam como uma pontada desferida sem dó:

- Esta cólica que não passa de tolice católica!

Rio de quem me olha com pena.

- Tem esparadrapo?

Retorço-me em convulsões. Alma. Práxis. Problema.

- Quer um poema?

Realizo o percurso. Absurdo. Olho pro reflexo e não me vejo. Subtraio-me. E minha agenda jaz cheia de coisas pra fazer, promessas pra cumprir, mundo todo pra mudar. Pra melhor.

- Sobe?

Amanhece o dia eu calço meus tênis depois de tirar o pijama e vestir roupa. Banheiro e vaso sanitário e descarga e pasta e escova. Depois termino tudo o que não convém escrever (café-da-manhã, cabelo, óculos etc.) e abro a porta. Qual chave cabe na porta? Qual porta é a desta chave que tenho? Elevador que sempre demora, alguém estúpido sempre segura o elevador, alguém que merece morrer. Subsolo e a moto me esperando, verde.

Aquela repetição. Irrita. Partida em ponto morto, pedal pra baixo é primeira, depois vai subindo e é segunda e é terceira e é quarta e é quinta e então constato que não tem sexta. Sinal fechado é vermelho. Radar controla a velocidade a 60 e nada mais, sorte que este não detecta moto.

Sinal aberto é verde, sinal fechado é contramão, luz de freio é pisca-pisca, guardinha é avesso, muros também subtraem, paredes não existem, parentes sim.

O ódio.

O catarro.

O ódio de novo.

Para os daltônicos, o sol também pode ser verde.

 
 

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