SONETO INACABADO

Eduardo Prearo
 

Não consigo escrever de outra forma a não deitado nesta cama, hábito que já foi proibido pelas professoras do ginásio. Mas é que estou meio que enfraquecido, sem saber dos horrores que pratiquei para de súbito ser destratado por pessoas desconhecidas ou não. Sim, a culpa é totalmente minha porque não consigo enviar amor às pessoas que murmuram qualquer coisa contra mim. Estou cansado, não me atrevi a pedir comida a ninguém porque se ouve tanta história estranha sobre a recusa das pessoas em dar! Elas parece amarem humilhar. Bom, não estar nem aí com o ganho de um carro em um sorteio, por exemplo, é realmente merecê-lo, não é? De qualquer forma, há um componente de deboche na humilhação criada pelo brasileiro e que quase sempre está ligada à refeição do humilhado. Hoje estou tentando ser violento como a nação, ou seja, indiferente até a mim mesmo. Querem-me pôr no Charcot e não pagar as minhas contas. Agora que talvez eu tenha perdido a dignidade por tudo, por ser este eterno malandro, por respirar miséria uma parte do dia e também da noite e também fumaça, por me mostrar desinteressado pela própria sobrevivência, não sei o que irei fazer da vida. Obviamente dirão: trabalhe! Mas quem diz isso nunca me arruma emprego. Pensei que findando a quaresma tudo melhoraria, mas não, meu nome tem mais restrição, minha vida se tornou imunda e que brasileiro que não gosta de olhar com a lupa alguma mazela do próximo? E também o caos aumentou na cidade: apagam as luzes das ruas para que os revólveres brilhem à luz da lua. INCREDIBLE... Não sei por que acontecem essas coisas comigo. Sim, sei, sei dos exemplos, sei que tudo o que acontece comigo acontece com todo mundo, não possuo idiossincrasias, nem mesmo gostar de velhinhas talvez seja uma hoje em dia.

Estou vivendo talvez erradamente, escrevendo talvez erradamente. Meus "a" "mi" "gos", se eu contasse-lhes minha situação...bom, nem preciso contar-lhes nada, dizem-se pobres. Agora estou entendendo um pouco mais sobre o quadro que pintei e que ainda não joguei fora, O Fundo do Mar Visto da Janela de Um Submarino. Acho que pintei algo relacionado à virgindade. Meu fundo do mar é verde, mas será que dirão Que verde lindo! quando meu fundo do mar for exposto no Louvre? Não, não dirão, eu pinto mal (e escrevo, sei!). Meu talento deve ser desprezível. Penso na lagamar e nas pérolas que ali deixo. Comecei a escrever um soneto, mas não vou terminá-lo.

Na cobertura, de repente ator,
ninguém me observa de nenhum dos prédios,
nem que meu beijo seja eu quem for,
já sei pra quem eu causo um nojo médio.
Quero gozar nesta noitinha tétrica,
sou descartável em um deserto sujo;
não gostariam nem dessa minha métrica,
deste calor, tal qual meu deus, eu fujo!
Estrilo, grito na noite vermelha.
Querem matar-me com um pau, sou mico?
Da chuva bebo a água que cai da telha,
viro serpente na calçada e pico.

 

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