O CORREDOR
Carlos Bruni
 
 

Era uma casa enorme. Minha mãe chamava-a de arranha-céu embora não passasse de um grande sobrado com porão acima do nível do jardim, dois andares e, principalmente, com torreões que formavam o sótão, fazendo o prédio destacar-se entre os demais naquela tranqüila rua do Belenzinho, em São Paulo.

Para mim, ainda criança, era de uma imponência que chegava a assustar. Janelas sempre fechadas, jardins tomados pelo mato e com uma primavera encimando o arco sobre o portão, aquele era um lugar mágico onde minhas fantasias entravam, percorriam cômodos cinzentos e soturnos, cruzando com assombrações.

Um dia, inesperadamente invadi esse mundo. Na ida à casa de uma tia que morava a um quarteirão dali, ouvi-a convidar minha mãe para visitar a moradora desse castelo, pois amigas que eram devia essa obrigação à dona, então adoentada.

Foi numa mistura de apreensão e curiosidade que as acompanhei, levado pelas mãos seguras de minha mãe. Na resposta à campainha, apareceu na porta da varanda a moradora, visivelmente abatida mas nem por isso descurada no vestir, como se sempre esperasse por alguém.

Não me lembro de seu nome, mas era simpática. Levou-nos para a grande sala onde por mais de uma hora ficaram elas conversando. Sentado ao lado de minha mãe não ousei levantar-me e ensaiar alguns passos por alí, principalmente por causa do corredor que saia da sala e levava para algum lugar nos fundos do casarão. Uma pesada cortina vermelha entreaberta deixava perceber a escuridão que o envolvia.

Nem o chá com bolinhos fez com que eu despregasse os olhos daquele espaço assombrado onde, achava, almas penadas se escondiam. De quando em quando, parecia perceber algum ruído. Sabia que não era o vento ou simplesmente a madeira estalando. Eram almas. Eram almas que pareciam espiar os intrusos.

O tempo escorria lentamente. Segurei a mão de minha mãe com mais força e aguardei por fantasmas e aparições que nunca vieram.

 
 

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