SOTURNO
Edson Campolina
 
 

Esta manhã não é como uma manhã,
Pois é como noite chuvosa e triste.
Sem perspectivas, sem expectativas,
O pensamento perde-se por pequenice.

Meu corpo vela-se enrijecido,
Com os ossos adormecidos negando movimentos.
As pálpebras pesando num pescoço amolecido,
Minha consciência é um poço vazio.

Sem forças, tento reagir.
Mas é grande a tristeza
D'uma vida despropositada e torta,
Que me espreitou detrás de portas.

Cansei da vida e das pessoas.
Não escrevo, não leio, estou mudo.
O passado parece-me suficiente,
Ocupou-se em cegar-me o futuro.

As horas, velozes, se vão.
Não ouço, não sinto, não vejo.
Talvez seja esta minha única sorte,
Nada acontece neste hiato de vida
Ou de morte.

A tarde cai como águas turvas
Que se vão sem derreter esta vida
Petrificada, fossilizada num fundo de mar.
De mim fugiram a metáforas do sentir,
Não tenho mais o que realizar,
Acho que nunca tive o porvir.

Tentei ser o que não fui,
Ver o que gostaria de ter visto,
Sentir o que gostaria de ter sentido.
Tentei um acalanto e, em vão,
Escrevi o que nunca foi lido.

Meu mundo agora está no escuro.
Minhas lembranças na profundeza
D'uma penumbra.
E o fio de vida, vejo numa luz,
Distancia-se p'ruma terra de nunca.

Adormece um poeta menor.
De quem a falta não sentirão.
Nem aqueles q'num dia
Foram amados por ele,
E não mais serão.

O poeta menor, de risos fingidos.
Que da solidão alimentou-se,
Do vinho amargo d'uma vida
Sonhada e não vivida, bebeu.
Que destilou lágrimas em versos,
Que agora se foram, fugidios.

A noite cai como um jardim escuro
Guardando este resto de vida ignorada
Até pelo mais arisco beija-flor
Que um dia fez vento
Soprando a face pálida,
Franzida pela minha dor.

Vem guiar-me agora um lobo.
Soam-me no escuro seus uivos.
Melancólicos uivos de um lobo da morte
A rondar-me triste por também ser só.
Por ter ao seu lado somente os moribundos
Deste esquecido e escuro mundo.

Ele vem lento e soturno,
Esgueirando-se nas sombras das velas do quarto
Deste poeta menor,
De versos obscuros,
Que duvidaram do futuro.

As nuvens pesadas de pecados
Descem, descem, descem...
O lobo triste não traz ao meu encontro
O anjo róseo de cabelos dourados e encaracolados,
E de lábios doces, onde se esconde seu recato.

Só resta-me agora um doloroso grito
Que ecoará neste escuro,
Enquanto não apagarem deste mundo
Meus versos de duplo sentido,
Meu versejar de poeta menor
Que um dia o escuro habitou
E nunca foi percebido.

 
 

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