COMO ROMPER UM RELACIONAMENTO
E AINDA DAR A VOLTA POR CIMA
Gustavo Villas Boas
 
 

Matias nunca tinha visto um cadáver, e muito menos dividido a cama com um. Mas estava escuro, muito escuro.

Os passos eram secos e cuidadosos. Resmungou com o sino que gritava alta madrugada. Felicitou-se pelo cheiro de menta que exalava da boca, resultado de escovação trabalhosa. Lamentou seu cabelo, que confessava as tragadas, e o pau, ainda úmido. Odiou uma eventual marca pelo corpo, mas isso, só amanhã. Estava escuro, muito escuro. Acordaria antes da mulher e acabaria com qualquer pista visível. O resto, discute-se.

Ao sentar-se na cama, chutou alguma coisa. O barulho, metálico. Fosse outra situação, acordaria a mulher cobrando-lhe o desleixo. Deixou por menos.

Acertou o despertador apenas com o tato e a experiência. Deveria acordar antes de todos na casa e tomar um banho, atrás de qualquer marca, pingar colírio, corrigindo os olhos vermelhos que as ressacas lhe traziam e arrumar-se como um homem bom, não aquela coisa despenteada e suja que precisava dormir.

O sono correu pesado, sem problemas. A manhã começou vermelha. A cama, o quarto, a mulher estavam cobertos de sangue. Não era a morte que importava para ela, mas sim garantir uma imagem aterrorizante e inesquecível para o resto da vida de Matias. Estava escuro, muito escuro.

 
 

fale com o autor