UM ESTRANHO INDO EMBORA
Leila de Barros
 
 

Ele costumava chegar quando a noite cobria o céu feito cortina de teatro. Sempre nas noites de verão! Permanecia por perto, junto com o zunido dos pernilongos e às vezes a provocava, chamando a atenção para a chuva forte e ruidosa.

Ficava a rondar seus passos, tentava lhe viciar, lhe persuadir, reduzir suas energias. Depois, ia embora rindo alto.

Era encorpado e insidioso, insistente e fazia dela uma penitente. Quantos anos ela foi sua presa fácil, sem sequer raciocinar. Ela, em sua timidez recalcitrante, alucinava e perdia horas e noites enluaradas, como uma roca a fiar, a fiar sem descanso.

Ele a desafiava, fazia com que ela perdesse a hora, perdesse o sono e seus melhores vídeotapes.

Ela o alimentava como quem cultiva um pássaro indesejado a fazer ninho em sua alma. Um dia, quebrou-se o encanto e para seu alívio e liberdade, a lente de aumento de sua cabeceira também se estilhaçou sem dó e nem piedade.

Ela tinha sede. Uma sede acumulada de água e brisa. Uma sede oceânica e telúrica. Caminhando perto de águas ribeirinhas, finalmente pode ver seu reflexo real.

Deixou-se ficar ali, por horas a fio. No escuro, ela permaneceu por algum tempo. A luz da lua tinha o efeito de um banho de cachoeira. A claridade de sua mente refletia nas montanhas e até mesmo no horizonte que vai terminar nas fronteiras da China.

Ela não tinha mais fronteiras, nem medo do escuro. Não carregava mais medo de coisa alguma.

Mesmo no escuro ela caminhou na direção de casa, com aquela certeza de que nunca mais o encontraria por lá.

O medo havia desaparecido para sempre.

 
 

email do autor