FELICIDADE NÃO É BENÇÃO
Rita Alves
 

Os poucos amigos ainda tentavam reanimá-la porque achavam que compreendiam seu estado macambúzio constante. Sempre que se aproximavam no intuito de dar conselhos eles eram execrados. Conselhos pra quê? A decisão já estava tomada: seria infeliz o resto da vida!Tentei conversar e ela me fitou com aquela cara de pouco caso e os olhinhos verdes grudados naquela cara branca e redondinha olharam pra cima com ar de arrogância. Agiu como se eu não a conhecesse bem o suficiente pra saber o que estava acontecendo.

Você só percebe quando alguém realmente está triste quando os olhos perdem o viço. Quando a melancolia torna-se crônica não adianta ter tão belos olhos verdes porque ninguém nota. Nem o lampejo de amor que ela julgou ter dentro de si para entregar para aquele rapaz, que agora tornou-se alvo de todo o seu rancor e amargura, conseguiu acender seus olhos porque ela já estava triste antes mesmo de tudo acabar. Porque quando se decide ser infeliz este estado se propaga para quem está perto e ninguém deseja algo assim. Eu queria dizer tudo isso, mas ela não deixa. Não queria que ela ficasse abandonada no quarto escuro cheio de livros e fantasmas. Queria dizer que ela sempre teve a mim, que o meu amor é tão grande quanto a sua tristeza. Que o amor ideal não é aquele que ela sonha, mas é algo bem mais simples!

Depois que ela tomou a decisão de ser infeliz, começou a agir como um bandido que não tem medo da morte. Sua crítica é mordaz, seu jeito é tão cruel e arrogante que até aqueles que ela ama resolveram se afastar antes que todo o amor acabasse em mágoa. Pra ela, amar é sinônimo de dor e a frieza que ela finge é apenas pra demonstrar que é auto-suficiente. Mas eu sei que quando a lucidez bate a sua porta e a pega desprevenida às três da manhã de uma quarta-feira é que ela percebe o quanto o travesseiro está encharcado pelas lágrimas salgadas. A insensibilidade que ela gostaria de ter não existe. É neste momento que pode sentir que ainda tem o coração que pulsa solto, totalmente perdido dentro do peito, tentando entender porque faz sempre as escolhas erradas.

Sempre espero notícias dela. Às vezes, eu acredito que num desses momentos de lucidez, ela vai me procurar e dizer com os olhos quase alegres que descobriu que fez a opção certa. Que optou por ser feliz da maneira que a vida permitir. Mas meu coração diz, que se um dia o telefone tocar numa madrugada qualquer, eu terei a notícia que não quero: que a mornidão da vida fez com que tentasse ter o último prazer possível, a morte.

 
 

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