MOACYR, O MATADOR
Ronaldo Torres (Tom)
 

Ele tem por nome de batismo Moacyr de Tal, mas, a depender da pessoa e do momento, também atende por Chupa-Cabra, Jurubeba e Sêo Madruga, o pitoresco personagem do soup ópera Chaves, pai da Chiquinha e que, invariavelmente, apanha de dona Florinda.

Sêo Madruga, digo, Moacyr não é cearense dos olhos amarelos, mas se orgulha de ter desencarnado seis pessoas, seis 'desinfelizes' que tiveram a audácia de duvidar de sua macheza, em sua cidade natal, Paulo Jacinto, a oitenta quilômetros de Maceió. Se bem que, dos seis, três morreram de susto, dois de raiva e um, cujo relato farei adiante, teve uma originalidade burlesca e foi o único que o fez fugir de sua cidade para não morrer nas mãos dos irmãos e parentes do desencarnado, que queriam beber o morto com o sangue do seu carrasco.

O seu pai foi morto em uma briga de faca nos primeiros anos de sua existência e a sua mãe, sem ter como arranjar trabalho, fora obrigada a enrolar fumo em Arapiraca, posteriormente se mudando para lá em uma camionete paga por um político local, e Moacyr viveu brincando em uma plantação de fumo até os dez anos, quando a sua mãe se amasiou com um bóia fria e o enviou de volta para Paulo Jacinto, para ser criado pelo tio, irmão do seu pai. Instalado, desconjurou a mãe, brigou com o tio e foi morar com um fazendeiro, o antigo patrão do seu pai. Cuidava das tarefas domésticas e, quando tinha folga, ia para a cidade brincar de mocinho e bandido com uns amigos. Como já havia cinco mortes em suas costas e sua fama de mal corria cidade afora, só fazia papel de bandido, pois seu sonho era ser cangaceiro. Às vezes até sonhava destripando o cabra que matou o seu pai e depois destripava também o palhaço do seu padrasto, único culpado da sua mãe ter lhe mandado embora, como se ele fosse um cão sarnento e não merecesse nem o afago materno.

Ele, e mais todo o pessoal que descia da roça, eram os bandidos contumazes nas brincadeiras, pois o roceiro, em qualquer situação, é discriminado pelos moradores da urbe.

Um dia Moacyr resolveu montar o seu acampamento de bandido na mata fechada que envolvia a periferia da cidade. Na primeira laçada que jogou, prendeu um 'mocinho', parente do prefeito e cunhado do delegado, e o arrastou para o seu acampamento. Lá chegando, amarrou o moço em uma árvore, colocou uma mordaça nele para que não alertasse os outros e saiu à procura de mais 'mocinhos' para fazer prisioneiros e assim ganhar a parada. Andou cauteloso pelos becos e vielas, se escondendo nos postes ou atrás dos muros, até que avistou, em um cacete armado, a turma animada em rodada etílica. Moacyr chegou de surpresa, rendeu todos, porém foi informado que a brincadeira acabara e que a nova modalidade era o jogo de porrinha. Uma rodada valia cachaça, outra cerveja, e a outra, qualquer tira-gosto da visgueira: sardinha ou salsicha em lata. Moacyr puxou um tamborete e se aboletou. Cachaça era com ele mesmo, embora não fosse lá essas coisas na porrinha.

Quando o sol se escondeu atrás do morro e a escuridão se tornou iminente, Moacyr montou em sua jumenta e pegou o rumo da roça, sem atinar coisa com coisa por causa do efeito etílico. Se a jeguinha não soubesse o caminho de casa, ele vagaria a esmo, até tomar sentido de direção.

Quinze dias depois picou esporas para a cidade e procurou a turma para uma nova brincadeira. Os amigos não quiseram brincar. Estavam preocupados: um deles havia desaparecido desde o dia da última brincadeira. Não havia pista do seu paradeiro. Moacyr levou a mão à testa, em choque. Deus do Céu, entretido na cachaça e no jogo da porrinha, naquele dia, havia esquecido o colega amarrado em seu acampamento! Acorreram ao local e encontraram o corpo do amigo em adiantado estado de putrefação.

Antes da chegada da polícia, saiu de fininho, sorrateiro, sonso, se embrenhou pela mata e esperou anoitecer, acoitado na copa de uma árvore. No escuro todos os gatos são pardos e ninguém haveria de reconhecê-lo no breu da noite, iluminada apenas pela luz das estrelas. Por volta das vinte e duas horas desceu da árvore, caminhou até a rodovia, pegou carona em um caminhão carregado de esterco e nunca mais ninguém, em Paulo Jacinto, soube notícias de Moacyr, o Matador.

 
 

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