ADELAIDE
Ubirajara Varela
 
 

Sentada num canto escuro da sala de estar, Adelaide assistia atenta às últimas notícias sobre a morte do papa. Toda a cobertura televisiva estava dando destaque ao incidente. A forma como era tratado o fato mexeu profundamente com Adelaide. De tal maneira que ela havia se precavido para não sair de perto da televisão nem para ir ao banheiro. Sua casa estava organizada estrategicamente: em cada cômodo havia uma televisão ligada e sintonizada na espetacular e sensacional cobertura da morte daquele que por tantos anos esteve ocupando o mais alto cargo da igreja católica. Semelhante a tele-telas saídas do universo de G. Orwell, as televisões dispostas nos cômodos de sua casa observavam todos os seus passos, enquanto Adelaide acompanhava o andamento dos rituais da igreja.

Adelaide sempre se gabou por ser uma excelente católica. Em toda a sua vida, desde novinha, cumprira com suas obrigações religiosas. Quando mais velha, tornou-se ainda mais fervorosa: ia à missa aos domingos, confessava-se constantemente, doava o dízimo da pensão que lhe restara, participava das associações e acontecimentos da paróquia onde morava. Batizada, fizera a primeira eucaristia, crisma e casamento. Além disso, era temente a deus, devota, fiel, e sempre acompanhou, o mais perto que pôde, tudo sobre o sumo pontífice. Inclusive quando ele veio ao Brasil, em Belo Horizonte, ela era uma das que estavam mais perto dele, margeando o cordão de isolamento para ouvir a missa e receber a bênção.

Por isso tudo, a morte do Papa mexeu profundamente com sua vida. Abalou o seu emocional profundamente. E, para não perder nem um momento da cobertura dos jornais e órgãos noticiosos, Adelaide enclausurou-se em sua casa, como uma freira que se guarda dentro de sua cela para oração.

Adelaide nunca foi mulher de muita leitura. Nem se lembrava do último livro que havia lido. Jornal impresso também, nem pensar. Sua fonte de informação sobre a realidade provinha exclusivamente da tevê e de revistas de mexericos. Para ela, o jornal nacional era reflexo da verdade, fidedigno reflexo do mundo, assim como as novelas, os programas de auditório, shows, comerciais, todo esse universo de olimpianos e deuses.

Talvez seja por isso que ela vivia num estado de depressão profunda. Frontal, Fluoxetina, Prozac, isso não bastava para ela. Ainda não existia uma pílula da felicidade que lhe devolvesse a luz da alegria. Foi por isso
que Adelaide resolveu se isolar do mundo dentro de casa, pedindo tudo que necessitasse pela internet, fazendo transações bancárias através de sites, tendo o mínimo contato com outras pessoas, olhando a vida, o mundo, a realidade através das telas de tevê.

Agora, com a morte do papa, com o fim do big brother, com o fim da novela das oito, Adelaide se perguntava:

- O que será da minha vida? O que será da minha pobre vida enquanto não começa a próxima novela?

 
 

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