VAZIO
Ana Terra
 

Vazio.

Suor e perfume. Impregnando meu corpo e meu quarto. Peles escorregadias acariciam-se mansamente. Num vai e vem primitivo.

Cinzeladas delicadas. Encontrei um molde vivo para minha arte. Uso dedos como cinzéis. Preparo o molde com beijos. Quero realidade. Arrepios. Uma obra perfeita.

Cheiro de incenso no ar. A pouca luz vem de um mosaico iluminado, que se derrete aos poucos. As cores vão ficando mais vivas. Os pedaços coloridos se consomem pelo fogo.

Trabalho intensamente. Tenho fome. Quero um alimento exótico. Inicio seu preparo. Enquanto o molde vai tomando forma, procuro pelo sal que se esconde nas entranhas. Dedos e língua sabem onde encontrá-lo.

Misturo com mel. Experimento. É exatamente o sabor que eu procuro. Hora de saciar a fome. Sugo, mordo, calmamente. Bebo cada gota. A fome aumenta. A fonte começa a estremecer. Lavas são atiradas na minha boca. A loucura vai tomando conta de mim. Deixo. Não preciso de lucidez.

A estranha, linda e sensual escultura a tudo observa. Seus olhos em estado e graça.

O vulcão explode dentro da minha boca. Meu sorriso está lambuzado de sal e mel. Abraço com força aquele corpo. Minhas costas ficam em farrapos.

Percebo que estou voltando de outro mundo. Não quero chegar. Não quero abrir os olhos. Não quero a realidade. Sinto que meus braços estão preenchidos com algo. Nada parecido com aquele corpo. Meus olhos insistem em abrir. A realidade se impõe, sem piedade. Um travesseiro está amassado entre meus braços. Aperto-o com força e o arremesso contra a parede.

O vazio se instala. Fundo. Dolorido. Real.

Acordo. Minha boca ainda guarda o sabor exótico.

A escultura? Ficou lá, guardiã de segredos. Lembro do molde. Será que ele conseguiu imprimir sensações? Virou pó? Ou uma obra inacabada?

 
 

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