LOVE STORY

Eduardo Prearo
 

"Todas as paixões têm o seu
calvário."

Condessa Diane

Inverno rigoroso, e seria milagre se nevasse. Michele agora andarilha, não tem mais condições de pagar passagem de ônibus e quanto mais o aluguel. O senhorio provavelmente a chutará. Michele fuma cigarro do Paraguai, fuma eight. Ela acha que o fumo nacional tem magia, pois quando ela compra um cigarro daqui e barato, a marca dele cai na boca do povo. A abstinência ao fumo assemelha-se às paixões malvividas. Michele ama a avenida Paulista e odeia o cigarro, apesar de ser tabaquista. Michele anda sem pressa, ela é vendedora. Está indo agora fazer a entrega de uma encomenda de lingerie. A freguesa mora na Consolação. São quase nove horas da noite...

Bléééééééééém.

--- A Sue está? Vim entregar-lhe uma encomenda.

--- Oh, não, ela não está no momento. Mas entre, senhora. Sou o Leopoldo, o marido. Ah, deixe-me abrir o portão automático. Prontinho.

Michele entra e senta-se em um sofá rococó. Que decoração enjoativa!: as paredes são vermelhas, o tapete é persa, as cortinas rosa e sob a mesinha há vários unicórnios de prata de um mesmo tamanho. Os olhos de Leopoldo são lindos, pensa Michele, ajeitando a gola de seu vestido branco.

--- Sente-se, senhora. Ah, já sentou. Aceita um draft?

--- O quê?

--- Um drink, um drink, senhora.

--- Aceito.

--- Martini?

--- Vinho branco, adoro chandon.

--- Humm. Bem, temos aqui o italiano, serve?

--- Claro, é o melhor do mundo.

--- Não, não é o melhor do mundo, porém é muito bom. A senhora tem uns quarenta anos...Deus me perdoe!

--- Você não é de libra não, não é?

--- Não, quem me dera fosse.

Repentinamente, Leopoldo avança em Michele para um longo beijo. Nasce alguma paixão em Michele, que se entrega a Leopoldo sem pestanejar. Após, então, o amor, mais chandon.

--- Sabe que ontem vi um avestruz na Paulista, Leo?

Silêncio.

--- A senhora deixa a encomenda aqui que eu me encarrego de entregá-la a Carmem Sue. O dinheiro Sue lhe dá em um outro dia.

--- Mas...

--- E se quiser, ligue-me. Tchau.

--- Tc...tchau.

A encomenda tornou-se um presente de Michele à freguesa, pelo visto. Foi uma troca justa? E paixão repentina, o que Michele fará com ela? Leopoldo despediu-se friamente ou foi impressão ou foi o contrário.

Amanhece.

Entardece.

Anoitece.

--- Alô, por favor, o Leopoldo?

--- É ele mesmo; me procure no final do mês, tá bom?

Mais um dia exaustivo e nada de dinheiro. Vagabunda!, é isso o que Michele é, uma vagabunda. Agora ela está doente. Leopoldo não gostou dela, talvez por causa de tanta cousa! Michele liga o rádio, está cheia da penúria e da culpa que carrega por não ter dinheiro. O sono vem devagar...

We've only just begun...

Leopoldo entra no pensionato carregando flores, cravos laranja. Leopoldo sobe as escadas correndo, e tudo se passa em câmera lentíssima...Enquanto isso, Michele, deitada, amargurada, passa a mão pelo cabelo e se arrepende mais uma vez de tê-lo cortado; ela o cortou pela manhã. Michele ouve, então, três leves batidas na porta, três levíssimas batidas que podem mudar seu destino, mas...

--- Vá embora quem quer que seja, estou doente.

Michele acorda no meio da noite, assustada. E, descuidada, derruba o cinzeiro no chão. Surge-lhe a paixão em forma de voz.

--- Você é a paixão?

--- Sim. Eu a faço sofrer, não é?

--- Sempre. A doença. Quando você vai embora?

--- Acho que ficarei ao seu lado por um longo período.

--- Quero morrer, então. Podia ser diferente, mas acho impossível. Eu e Leopoldo somos de classes sociais distintas. Por que você não o tomou em vez de a mim?

Silêncio.

--- Michele, não sou só sofrimento.

--- Talvez, eu sei. Mas você podia aparecer em outra hora, quando eu estivese endinheirada, não faminta como uma leoa! Você não é boa coisa também, não é flor que se cheire. Você existe por causa dos desejos animalescos, inferiores.

--- Quer ser santa, agora? Oh-oh-oh-oh.

--- Está debochada como a comunidade a dançar esquisitamente pelas calçadas?

--- Não, não.

--- Se pensa que vou procurá-lo, está muito enganada. Na certa, Leopoldo tem muito o que fazer, a sociedade também. Amar assim é um desvio muito grave. Por favor, pare de me emocionar.

--- Não te emociono, te entristeço. Há diferença entre emoção e tristeza, você devia saber. Um dia, quem sabe, eu talvez te dê o direito de viver-me superfeliz e de saber que é correspondida até demais.

--- Não se manifeste mais!

Amanhece.

Michele se veste e sai, mas não sem antes cumprimentar o temido senhorio. Ela pára defronte de uma banca e lê a seguinte mensagem: " Vejo o lado bom das coisas ". A Paulista está tão linda esta manhã! Michele quer o dinheiro, afinal, precisa pagar quem a emprega informalmente, e também comer e também...

--- Olá, Sue. Vim buscar o dinheiro da encomenda. Leopoldo me fez entrar e...

--- E o quê? Leopoldo é meu primo. Não me venha se confessar sobre o que praticaram, hein! Não quero saber.

--- Pensei que você fosse a esposa dele.

--- Sinto muito por tudo. Leopoldo estava precisando de uma mulher. Agora, mudou-se para Paris, ontem, aliás. Partiu triste.

--- Acho que inconscientemente devo gostar de ser descartável. Minha vida é um episódio de Emanuelle.

--- O quê? Vagabunda! Tome, tome o dinheiro. Estenda a mão daí. Você sabe como é, não é, Michele? Você não tem cultura, é meio criança, apesar de estar velha. E pobre é sempre pobre, branco é sempre branco.

--- Eu quero que vocês se explodam.

--- Ah-ah. Vai, fedô. Brava não come!

Os meses se passaram rápido desde o último inverno. Michele contempla seu bebê de um olho só e sorri para ele. Gerald foi fruto de um único encontro, um encontro ao acaso com Leopoldo.

 

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