IMPERDOAVELMENTE PERDOÁVEL
José Luís Nóbrega
 
 

Os anos sessenta transcorriam com suas revoluções, suas guerras, seus lemas e ilusões. Dois jovens apaixonados ficam noivos, sonham com um futuro repleto de "paz e amor". Por uma desilusão qualquer, ela se separa dele. Ele a procura, mas ela jura não querer vê-lo jamais. Ambos guardam as alianças do noivado e seguem seus caminhos...

Ele se casa três anos depois da separação com uma linda jovem. Não a ama, mas ainda desiludido pelo relacionamento anterior, entrega-se ao matrimônio.

Ela se casa com um homem mais velho. Também não o amava, mas ainda desiludida pelo relacionamento anterior, também entrega-se ao matrimônio.

Ambos têm filhos. Anos depois chegam os netos. Ele insiste num casamento frio, sem amor, sem cumplicidade. Ela insiste num casamento onde vive solitária, tendo o marido a bebida como sua fiel companheira. Infelizes, continuam a trilhar caminhos opostos...

Quarenta anos se passam. Quarenta anos um pensando o que seria se casado estivesse com o outro. Quarenta anos remoendo uma separação motivada pela inexperiência de uma "juventude transviada"...

Cansados, com filhos e netos já criados, o destino os aproxima depois de tantos e tantos anos. Hospedam-se na mesma pousada, sozinhos, longe de tudo e de todos, buscam tão-somente um tempo para pensar na vida. Vida passada em branco, vida vivida sem vida...

Ele a reconhece no café da manhã. Continuava elegante, alguns cabelos brancos. Não possuía mais a sensualidade, nem o sorriso da juventude. Parecia uma pessoa sofrida, angustiada. Sem cerimônias, senta-se ele à mesa em que ela tomava seu café, perdida em pensamentos. Ela levanta o olhar, enquanto ele puxa a cadeira. Ela quis sorrir, mas os lábios permaneceram cerrados. Ele quis dizer algo, mas faltaram palavras...

O tempo parou. Não diziam nada, enquanto o sangue fervia seus corpos. A felicidade do reencontro. O medo do momento presente. Quarenta anos passados... Ele a pega pela mão. Ela sorri. Ele faz as primeiras perguntas. Ela, olhando fixamente nos olhos dele, responde a tudo, discorrendo sobre a família, os filhos, os netos, as vicissitudes de um casamento infeliz. Ele faz o mesmo, e ao final, saem para um passeio...

Depois de passearem de mãos dadas pelos jardins, o convite inevitável. No início, ela recusa, mas depois aceita acompanhá-lo até o quarto. Lá, ele tira da carteira a aliança onde gravado está o nome da noiva que um dia o deixara. Os olhos dela se enchem d'água. Ele a beija. Na volúpia, ele a acaricia. Ela se perde entre pensamentos: os filhos, o marido, a culpa, o pecado... Ela o empurra, e sai do quarto correndo, fugindo de um amor imaginário, alimentado de ilusões nos últimos quarenta anos...

Ao retornar pra casa, o marido a aguardava no portão. Ela solta as malas, e o abraça. Ele estranha. Os abraços haviam se perdido no tempo. Ele se desvencilha dela, dizendo que voltaria logo. Iria beber com os amigos no bar da esquina. Ela fecha o portão, olha para a casa como um prisioneiro que retorna à velha prisão. Apressa os passos em direção à casa. Precisa fazer o almoço. Ao meio-dia, impreterivelmente, o marido chegará cambaleando, e a comida deverá estar aprontada, esperando por ele...

 
 

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