CADÊ?
Osvaldo Pastorelli
 
 

Com passos pequenos separando uma perna da outra em passadas férteis de sono, ele andava dentro da sua condição de humano apenas para constatar sua existência no mundo.

Mas não se chateava, tendia às vezes para uma excêntrica depressão aos poucos eliminada no correr do dia.

Fazia frio. Enfiou as mãos nos bolsos da calça. Tiritava, não conseguia soltar os músculos que tensos fazia seu corpo tremer alucinado. Nunca gostou do frio. O vento gelado cortava sua pele adormecida feito gelo.

Com o dedo enluvado comprimiu o botão chamando o elevador. Droga! Chegara na hora do pico. Os elevadores vinham abarrotados. Às vezes era obrigado a esperar três, quatro ou cinco elevadores, e assim mesmo quando conseguia entrar.

Por incrível, naquele dia entrou no primeiro. Estava vazio! Não tinha ninguém! Apertou o botão. A porta fechou e ele encostou-se ao fundo. O elevador subia silencioso, lento, quase não se sentia seu movimento. Parava em todos os andares. E o gozado é que ninguém subia. Ele estava completamente sozinho...

Foi sua constatação quando saiu para o corredor. Tudo vazio. Onde estava o pessoal? Normalmente essa era a hora intensa de um vai e vem de funcionários...Será que é Domingo? Não, não poderia ser! Será!?!? Ter-se enganado?! Continuou andando. No fim, virou à direita. Vazio!? Estranho! O que acontecia?

Não, só pode ser Domingo. Olhou o calendário. Não, não era Domingo. Era Quarta-feira, dia 20. Então onde estava o pessoal?

Indeciso parou um instante diante da porta. Quando estendeu a mão para girar o trinco, de supetão a porta foi aberta. Ele precisou recuar dois passos para trás. Quase cairá. E no susto, pego de surpresa, não conseguiu ver quem tinha saído.

Respirou. Abriu a porta e entrou. A sala estava no maior silêncio. Para seu alívio não era Domingo, não. Estavam todos ali, sentados em suas mesas trabalhando. Todos de cabeça baixa sobre os papéis. Ninguém parece, notou a sua entrada.

Encaminhou-se para o seu lugar. Era dificultoso, pois as mesas estavam quase encostadas umas as outras. Havia um exíguo corredor entre elas, que mal dava para passar. E o seu lugar era quase perto do banheiro, logo depois da loira.

Ninguém notava sua presença, nem o pessoal que por qualquer coisa insignificante, gostavam de fazer piadas, tirar sarro. Estavam todos silenciosos, quietos, dava até nos nervos. Talvez estivessem de mau humor.

Com muito custo chegou ao seu lugar.

Parou... Surpreso o seu lugar estava vazio, sem a mesa. Olhou para os lados pronto a reclamar. Ninguém parecia nem vê-lo, mesmo assim perguntou:

-Cadê a minha mesa?

Silêncio. Não ouviu resposta.

Perguntou mais uma vez:

-Cadê minha mesa?

Novamente o silêncio.

Virou para a loira tocando seu braço.

-Onde está a minha mesa?

A loira nem se mexeu, continuou carimbando os papéis.

Dirigiu-se ao rapaz.

-E você! Pode me dizer alguma coisa a respeito?

O rapaz olhou para ele com um olhar perdido na distância além dele. Seguiu o olhar do rapaz e viu o gerente fazendo sinal. Será que é comigo? Pensou. Foi até o chefe. Talvez ele tenha alguma explicação para dar, quem sabe?

-Pois não... Cadê minha mesa?

O chefe olhou para ele com um olhar duro

-O que o senhor faz aqui?

-Ora! Que pergunta, chefe! Vim trabalhar. Hoje não é Quarta-feira? Então, vim trabalhar...

- Acontece que vou lhe fazer uma confissão, meu rapaz.

- Que confissão, chefe?

- Desde ontem o senhor não trabalha mais aqui, o senhor foi despedido.

-O que?

- Não te comunicaram? O senhor foi demitido, mandado embora, rua...

Diante da mudez dele continuou

- Vá embora que esta atrapalhando os que querem trabalhar.

Deu as costas para ele e entrou na sala deixando-o no meio da seção. Com passos pequenos separando uma perna da outra andou dentro da sua estupefata mediocridade, saiu da sala.

Ninguém mais soube dele.

E creio que nem ele mesmo soube.

 
 

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