NO ESPELHO COM VOCÊ
Ivone Carvalho
 
 

Lavei o rosto com a calma que há muito não fazia. Parecia querer tirar dele as marcas da idade, do sofrimento, da dor. O sabonete líquido perfumado de erva-doce parecia penetrar na minha pele deixando-a ainda mais sedosa. Senti-me bem acariciando a tez suave que ainda não encontra sinais do tempo, rugas ou manchas. Lembrei-me das palavras que costumo ouvir das pessoas quando menciono a minha idade, elogiando a pele bem tratada e o ar remoçado que ela me dá, escondendo o tempo já vivido.

A toalha macia apenas tocando a pele deixou-a úmida, fresca, com seu brilho natural.

Olhei-me no espelho.

É verdade! Apenas os olhos demonstram que estive chorando mais uma vez. Não há marcas do tempo no meu rosto. Há apenas as marcas que vêm do coração, pois estas não conseguem esconder-se em mim.

Escovei os cabelos. Achei-os bonitos. As mechas levemente douradas deram-lhe um ar de requinte, de charme. A escova o deixa mais liso e sedoso, a hidratação deu-lhe mais brilho.

Incrível como eu tenho evitado me olhar no espelho! Não gostei do que vi nas últimas vezes que parei para observar melhor o meu semblante. Pudera! Eu tinha chorado tanto naquele dia e nos dias que antecederam, que não tinha como ver um rosto menos assustador naquele momento! Estava envelhecida, com ar de doente, olheiras, sem vida nos olhos e até na própria pele.

As benditas lágrimas continuam se fazendo presente, não posso negar. Mas, agora, sinto o peito como se estivesse amarrado, bloqueando a passagem de gritos, de pranto, do amor que está ali pulsando, pronto e desesperado para explodir, sem poder.

Fixei o olhar nos meus olhos. Dizem os poetas que os olhos são a janela do coração e foi isso que me levou a fixá-los, buscando a sua profundidade, na expectativa de ver o que se passava no meu íntimo.

Foi nesse momento que eu o vi. Sim, ali no meu espelho, não era mais o meu rosto que estava diante de mim. Era o seu sorriso, os seus lábios, os seus cabelos brancos, o seu olhar repleto de ternura, a sua pele bronzeada, a sua boca que senti vontade de beijar apaixonadamente, tentando alcançar o seu coração através de um louco e demorado beijo.

Eu sorri, não pude conter minha alegria! Buscava suas mãos, mas não as encontrava. Procurava seu corpo: queria vê-lo por inteiro! Porém, era apenas o seu rosto que ali estava. E você me contemplava com doçura, eu vi o amor no seu olhar! Vi seus lábios murmurando e meu coração ouvia sua voz declarando seu amor.

Era impossível controlar o tremor do meu corpo, minhas pernas amolecendo quase que se desequilibrando.

Olhei no fundo dos seus olhos e eles brilhavam como estrelas. Seus lábios úmidos pareciam também querer me beijar. "Eu te amo, te amo muito", era o que eu conseguia traduzir dos seus lábios.

E, exultante, com o coração parecendo saltar de dentro do meu corpo, eu repetia incessantemente: "Eu também te amo, meu amor! Muito, muito, muito!"

Queria que o tempo parasse. Que, como num conto de fadas, você saísse dali se materializando ante mim, me abraçando apertado e me permitindo sentir o calor do seu corpo, seu perfume, seus braços me envolvendo, sua boca tomando posse da minha, suas mãos acariciando minha pele.

Evitei piscar! Temia que sua imagem desaparecesse nessa fração de segundos. Eu sorria, repetia que o amo, que o quero, que preciso de você. Pedia para que não fosse mais embora, que ficasse comigo para sempre. E o corpo tremia. E as lágrimas misturavam-se aos risos que provavelmente me faziam parecer uma insana a alguém que porventura me visse naquele momento.

Quando sua imagem se foi da mesma forma que havia chegado, lentamente, sempre sorrindo e murmurando o quanto você me ama, eu queria adentrar o espelho e acompanhá-lo para que nunca mais você me deixasse...

Sonhei com você ao me deitar. E, nessa noite, nos amamos da forma mais completa, mais apaixonada, de maior entrega, sem limites, sem medos, sem culpas.

Fizemos amor com todo amor do mundo! Fui sua por inteiro e você foi todinho e somente meu!

Não queria ter acordado!

 
 

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