BELOS TRAIDORES
Nan Abdalla
 

De um lado, com falsos ares de independência e felicidade, você. Do outro, cheios da honestidade que te enterra, teus olhos. Bandidos belos aos olhos de alguns tolos de passagem. Mas que, ao mesmo tempo em que atraem, te traem.

Com vida própria, esses malditos aniquilam todo o trabalho de meses. Basta um simples movimento sem autorização e pronto. Teus olhos revelaram a preocupação exagerada com a felicidade de quem, em teoria, já não faz parte do seu dia-a-dia. Você bem que tentou evitar, mas esses inescrupulosos olhos jogaram por água todos os teus esforços em parecer feliz com o novo parceiro, às voltas com amigos e novos compromissos.

Esses traiçoeiros olhos percorreram, de cima até embaixo cada centímetro da nova parceira daquele canalha. Você tentou conte-los, mas os desgraçados têm mesmo vida própria. Precisavam encontrar defeitos naquela moça tão mais moça que você, tão mais independente e bem-sucedida que você.

Eles são assim mesmo. Traem ao próprio dono sem dar a menor satisfação, alheios a quaisquer sentimentos. Perversos, eles arregalam ao mínimo sinal de um assunto que te incomoda, mesmo que você esteja à distância, fingindo desinteresse ao papo no outro canto da sala. Da mesma forma, ignorando a suas ordens, eles se voltam ao novo casal, que troca carícias há metros de ti.

O casal, verdadeiramente realizado e feliz, faz de conta que não nota. Despede-se e deixam o ambiente. Agora revoltados, teus olhos acompanham ao casal até a porta, na busca incessante por defeitos a serem comentados mais tarde. Porta fechada! Os olhos, agora mais calmos, esperam os maldosos comentários, que não devem vir na íntegra porque seriam inexplicáveis aos olhos do seu companheiro. Aí vêm eles: "gorda desse jeito, ela só pode estar grávida". O comentário não encontra eco. Então vem a briga por conta de comentários desnecessários. E teus olhos, claro, não desmentem as acusações.

Agora eles mostram rancor, ódio e, claro, uma ponta de inveja. De nada vale lutar contra esses filhos da puta. Eles são espelhos d'água. Mas água de um mar traiçoeiro, que te afoga em seu próprio fracasso, que te trai e revela a sua infelicidade. Não te deixam mentir, atuam de maneira independente. Revelam que a separação ainda não foi engolida, que a distância não foi aceita e nem tampouco a felicidade do outro foi digerida. Por mais que tente passar a falsa idéia de realização e menosprezo, não é isso que seu belo par de olhos evidencia. A transparência dos teus olhos mostra uma pessoa amargurada, mal-sucedida, infeliz e solitária. Não é ninguém que diz, mas eles próprios que mostram.

 
 

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