RUBOR DAS LETRAS
Rosi Luna
 
 

Teus olhos quase dizem tudo, são dois círculos de mistérios. Pequenos minérios, pedra olho-de-tigre, amarronzados perolados. Teus escritos quase falam tudo, são dois quadrados letrados.Talvez seja culpa das letras ou dos óculos que sempre se perdem. Não estou vendo no seu rosto, aquele aro sincero. Não estou lendo no papel, aquele caro diário. Penso que aquela caneta-tinteiro tenha algum envolvimento, aquela ponta adorava fazer mergulhos num vidro de formato de losango. A cor era azul-da-prússia ou violeta-da-rússia, não sei. O que me encantava, era o pigmento no vidro dando o rubor das letras. Elas saiam desfilando no papel, as vezes redondas, as vezes curtas rubricas correndo aflitas. Mas toda história tem um vilão, tive mêdo do mata-borrão. Achava que ele era capaz de sugar toda aquela mágica, sumir com as letras, chupando todo aquele escrito anil. E se as letras não voltassem mais, o que seria da escrita?

No começo era o lápis tendo um colapso, eram convulsões amorosas mas sempre vinha uma borracha para apagar. Ainda bem que existe teimosia e tudo se resolvia, pois a gente escrevia escrevia escrevia. Outro dia fui parar longe, tava pensando quando o homem pisou na lua, tua escrita era tão respeitável e a minha tão inflável. Fazia a ponta do lápis bem fininha, fazia um verso e enfeitava com florzinha. Tudo tão puro como o linho do papel, escrita soltinha como quilo a granel. Nunca soube medir diferenças - escritor é quem escreve, seja sério ou despaltério.

Com o tempo foi chegando a caneta esferográfica,toda pornográfica querendo me tirar o juizo. Não pude me render aos caprichos da escrita com aquela pequena bola giratória, os cadernos continuavam cheios de rabiscos. Nesse embate da caneta, o lápis liderava essa maratona literária. Dava gosto apontar, era como se a qualquer momento pudesse brotar toda a criatividade daquela ponta. Uma literatura feita de grafite e sulfite.

Mas foi a máquina de datilografia - o grande advento da escrita, as letras dançavam sob um cilindro,batendo cada uma na sua ribalta de tecla. Aquela velocidade toda no dedilhar, sem olhar o que estava escrevendo. A máquina ia com sua caixa portátil pra qualquer lugar, onde um texto estivesse a provocar. Entre o surgimento dos primeiros e alinhados textos, apareceram os erros de datilografia todos pintados com um pincel de tinta branca. Aquela catapora albina era para amador, gostava de me vangloriar dos poucos erros, da precisão de dardo nas teclas e na disposição das frases.

O grande encontro se deu mesmo foi na cibernética, teus olhos nunca me disseram nada concreto, mas tuas letras eram filtros por onde passava a luz das tuas idéias. O computador esse grande gerador - amor cyber. Cheio de ferramentas e programas, alimentou meus dramas. Inventei que tinha um ser humano morando dentro da máquina, me apaixonei por uma tela. Mandei imprimir, apareceu uma folha em branco. Teus olhos nunca os encontrei, teus textos amei e todas as letras do mundo digitei.

Pelos olhos das letras vejo uma constelação de idéias, sorrindo frases enluaradas pela linha.

Rubra Letra - que se imprima toda poesia de gaveta no planeta.

 
 

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