AMO VOCÊ ASSIM MESMO
Ivone Carvalho
 
 

Descobri que nada sei sobre o amor entre um homem e uma mulher. Confesso que cheguei a pensar que ninguém sabia mais do que eu, mas o tempo me provou o contrário.

Talvez eu soubesse, sim, antes de conhecê-lo.

Eu ficava imaginando encontrar alguém, um dia, ainda que na aproximação da velhice, que não tivesse olhos para outra mulher, que fizesse de mim a fonte de sua inspiração, que se sentisse envaidecido por saber que é a essência das minhas poesias, que pensasse em mim noite e dia, que me admirasse, me amasse, me respeitasse por eu ser exatamente como sou, por enxergar em mim todas as qualidades que tenho, por sentir a pele vibrar ao me sentir por perto ou pela aproximação do momento em que poderia me encontrar, me ver, me falar, me ouvir ou me tocar.

Alguém que tremesse de emoção e felicidade quando estivesse comigo, fosse em pensamentos, fisicamente ou virtualmente. Alguém que descobrisse o verdadeiro sentido da saudade da mulher que ama, da ansiedade por olhar nos seus olhos, beijar sua boca.

Alguém que sonhasse como eu, que fizesse projetos me incluindo em sua vida para sempre, que ouvisse sinos angelicais badalando quando ouvisse a minha voz; que sentisse aquele friozinho na boca do estômago quando encontrasse uma correspondência minha ou quando se aproximasse de mim.

Alguém que ao deitar-se, ficasse durante algum tempo pensando em mim, recordando nossos momentos, planejando novos momentos para vivermos juntos. Que ao dormir, sorrisse docemente por ter certeza de amar e ser amado, e sonhasse comigo ainda que não se lembrasse desses sonhos ao acordar, mas teria a certeza de que estivéramos juntos durante toda a noite, porque acordaria comigo nos seus pensamentos, viva, como se presente fisicamente, ainda que eu não estivesse ao seu lado na cama.
Que ao acordar preferisse ficar por mais alguns minutos ali quietinho, fingindo estar dormindo, conversando comigo mentalmente, desejando-me um bom dia, em silêncio. Que em tudo que fizesse no decorrer do seu dia elevasse seus pensamentos a mim, prometendo-se que não poderia deixar de me contar todas as suas vitórias e derrotas, alegrias e decepções, medos e ousadias. (São assim os meus dias!)

Alguém que muitas vezes ao dia, não importando o horário, fizesse questão de me demonstrar que estava pensando em mim, que eu era importante para ele, e, assim, registrasse tudo isso, me enviando mensagens, ainda que sucintas: quem sabe apenas um "oi, estou pensando em você" ou "estou com saudade" ou "te amo".

Eu imaginava, quando o conheci, que tudo isso passaria a acontecer na minha vida, porque eu acreditava que nos completávamos, que precisávamos um do outro por tanto nos amarmos, que eu era parte de você como você é parte de mim.

E acreditei, então, que o amor é exatamente tudo aquilo que eu sempre sonhei, que eu passaria a fazer parte da sua vida como você passou a fazer parte da minha, que você me amava na mesma intensidade, qualidade e extensão com que eu o amo.

Você me deixou sentir que o amor é assim, que eu nunca estivera enganada, que eu simplesmente sonhava com o que realmente é possível, que meus sonhos se transformaram em realidade.

Mas, você acabou por me revelar que eu estava enganada, que eu não entendo nada sobre o amor, que o relacionamento entre duas pessoas que se completam, que não deixam dúvidas sobre a existência do amor, pode terminar como se tivesse prazo de validade, que as pessoas podem ser substituídas zerando todo o passado a ponto de a outra nada mais representar, não mais fazer tremer, não causar mais ansiedade, não doar mais alegria, não merecer mais a atenção, o carinho, a saudade, a importância que outrora teve, ou, pelo menos, que aparentava ter.

Tenho relido suas cartas, um imenso arquivo que eu guardo dentro do peito. Procuro, em cada uma delas, alguma demonstração de ternura, de admiração, de felicidade por se saber tão amado por mim. Encontro o oposto em todas elas. Se alguém as lesse seria capaz de jurar para mim que sou uma grande mentirosa, que o remetente delas nunca sentiu amor por mim, porque elas demonstram exatamente o sentimento oposto. Eu não deveria relê-las, porque a cada leitura o inconformismo se acentua mais dentro de mim, porque não consigo acreditar que elas foram escritas pela mesma pessoa que me escrevera tantas outras, repletas de amor e doçura, de demonstração de felicidade total por ter encontrado a mulher dos seus sonhos, a mulher ideal. Eu as releio na ordem decrescente de data e ainda não consegui chegar nas primeiras, as únicas onde realmente eu encontraria você. Porque não é possível que seja o mesmo homem o autor de cartas tão antagônicas! E as vejo como um passaporte para o meu exílio, o documento hábil para que eu entenda, vez por todas, que você deseja que eu fique o mais distante possível de você.

Talvez tivesse sido melhor não termos nos conhecido. Certamente os meus dias não seriam tão tristes, as minhas lágrimas não minariam da minha alma, essa saudade angustiante não me faria sofrer tanto, os meus pensamentos não se voltariam para você durante vinte e quatro horas por dia, eu não viveria de esperanças que já foram declaradas, por você, impossíveis de se realizarem.

Certamente, ao me deitar, eu apenas dormiria, vencida pelo cansaço. E não choraria em silêncio, dormindo apenas vencida pela dor. Eu não acordaria sentindo a sua presença por ter sonhado com você a noite inteira e tampouco ficaria deitada por mais tempo para imaginar como teria sido o seu dia anterior, a sua noite ou como será o seu hoje.

Com toda certeza, se não tivéssemos nos conhecido, eu não faria bolos de chocolate pensando em você, não ouviria, com saudade, as músicas que você me enviou em mensagens lindas, não temeria escrever meus versos de amor porque você não duvidaria de quem é o destinatário. Eu não olharia, cheia de esperança, o visor do meu telefone em busca do seu número a cada toque. Eu não ligaria o computador com tanta ansiedade, mesmo estando atrasada para algum compromisso e tampouco o desligaria frustrada todos os dias. Eu não ficaria imaginando você em suas caminhadas, em seu trabalho, em sua residência preparando a mesa para o café da manhã, em plena madrugada, ou assistindo os programas de tv que eu sei que você gosta.

Eu não me lembraria do seu sofrimento com a morte de u'a maritaca, com a doença de um amigo, com a necessidade de um parente, com a doença rondando seu lar. Tampouco recordaria a minha preocupação quando sabia dos riscos do seu trabalho.

Não ficaria, com toda certeza, calculando seus horários, imaginando com quem você está conversando, namorando, se dedicando, protegendo, admirando. Não visualizaria cenas que aconteceram comigo e, indubitavelmente, se repetem longe de mim. Não sentiria esse ciúme que me mata um pouquinho a cada dia, por nada mais saber sobre você, mas que, por conhecê-lo, sei que ele tem lógica.

Eu não riria, com saudade, ao me lembrar das suas palavras quando estava de bom humor, dos seus carinhos quando nos encontrávamos, dos seus desabafos quando deles sentia necessidade, da sua voz que eu tanto gostava de ouvir ao telefone. Nem lhe desejaria, mentalmente, bom almoço/jantar todos os dias, bom jantar especial e alegre com a família às sextas-feiras e tampouco pensaria em você, sorrindo,a cada vez que eu pedisse uma caipivodka.

Talvez tivesse sido melhor se nossas vidas nunca tivessem se cruzado, porque se assim fosse, eu estaria, até agora, na esperança de que um dia eu o encontraria e, então, você me amaria como eu o amo e eu seria um pedaço de você como você é de mim e eu seria tão importante para você, como você é para mim e, juntos, mostraríamos para nós mesmos que o amor existe sim, que não sou essa ignorante que hoje me sinto em matéria de amor, ou esta sonhadora com mania de poeta que acredita que o amor verdadeiro existe sim, que ele é sempre correspondido, que ele não faz sofrer mas, sim, que ele só nos dá toda felicidade que nós merecemos, sonhamos e que tanto desejamos.

 
 

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