VIAGENS
Tatiana Alves
 

Outra viagem começava. Ele recostava-se no banco do ônibus, deliciando-se antecipadamente com as aventuras que viveria. Ninguém entendia o porquê de suas viagens. Ao contrário das pessoas ditas normais, ele não possuía um destino, nem mesmo um pouso. Não havia, para ele, a chegada ou a partida. O que ele amava de fato era o durante, os momentos em que o ônibus passava pelos lugares, e ele podia se imaginar dentro daquela pequena casinha, vendo o mundo a partir daquela janela. Nessas horas, podia ser o casebre mais miserável, o lugar mais sem atrativos. Dedicava-se ao que chamava o seu laboratório de vida. Imaginava-se morador daquela localidade, tendo aquela paisagem como amanhecer, tendo aqueles passantes como vizinhos. Vivia intensamente cada uma daquelas vidas, até que seus olhos descobrissem outra casa, outro recanto, e o devaneio recomeçava. De cada viagem voltava renovado, como se as múltiplas existências que experimentara o tivessem convencido de que a sua vida não era, de fato, ruim. Mas bastavam uns poucos dias para que a necessidade de embarcar no primeiro ônibus para outro lugar tomasse forma. Vampiro urbano, sua sede de viver novas experiências impedia-o de se fixar em um lugar. Como uma espécie de passaporte delirante, sua vida só fazia sentido se ligada a um movimento. Tampouco era nômade. Sua alma cigana não admitia a mudança pura. Precisava desesperadamente da travessia, do movimento de vaivém, das inúmeras viagens interiores que a exterior, meramente geográfica, lhe propiciava. Viajava então no tempo, nas reminiscências, fundindo suas lembranças ao porvir, mesclando o que havia de ficcional à sua própria existência. Tornava-se então múltiplo, permitindo que uma parte de si permanecesse em cada lugar por onde passava. E nesse estilhaçamento vivia ainda todas as vidas que não vivera, casava-se com as mulheres que nunca havia conhecido, criava filhos que jamais tinham nascido, exercia diferentes ofícios, tirando sempre o melhor de cada experiência. Sua vida tornara-se plena. Fechou os olhos. Outra viagem começava.

 
 

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