VAZIO
Gaby Marques
 
 

Era junho e o frio não havia chegado. Às férias deixaram um vazio que doía... Não conseguia encontrar ninguém. Todos queriam ficar o mais longe possível do que pudesse lembrar a palavra "aula". E eu, entusiasmada como sempre, não queria interromper aquele ritmo. Mas tive de respeitar o desejo de descanso dos outros.

Fui preenchendo meu dia-a-dia com outras atividades. Precisava colocar um curativo naquele rombo que se abriu em mim. Mas nada tão interessante. Até que, numa bela manhã de domingo encontrei aquele homem. Ele estava atravessando a rua e tropeçou no paralelepípedo. Corri para socorrê-lo. O moço, cheio de livros nos braços, havia torcido o pé. Ofereci-me para ajudá-lo a carregar os livros. Foi aí que olhei para aquele sorriso. Dentes tão branquinhos que, por um instante, me entonteceram. Eram contornados por uma linda boca rosada. Ele me agradeceu e foi embora.

Ainda em transe, vendo aquela figura se distanciar de mim, olhei para meus braços e percebi que ele deixou para trás um de seus livros. Procurei dentro por uma pista e só encontrei uma dedicatória, muito simples, que nem ao menos me revelava seu nome. Não sabia o que fazer.

Fui para casa pensando naquele homem. Como faria para encontrá-lo? Precisava devolver o livro para o dono. Pensei por muito tempo, mas em vão. Fui dormir exausta.
No outro dia, acordei com uma idéia na cabeça. Talvez não funcionasse, porém, precisava tentar. Coloquei um anúncio no jornal. A nota dizia assim: "'Ser ou não ser. Eis a questão'. Se essa frase faz algum sentido para você, ligue para o número no rodapé".

Mandei a nota e fiquei esperando. Ligaram-me de um manicômio. Um cara dizia que havia escrito aquelas palavras. Tive de descartar, é claro. Os dias se passaram e não recebi mais ligações. Até que, no sábado seguinte, atendi ao telefone e ouvi um "alô" afeminado.

Que decepção! Descobri que aquele homem maravilhoso, não era bem um "homem". Devolvi o livro.

Enfim, às aulas estavam de volta e eu estava com o meu vazio preenchido. Essa história toda serviu ao menos para não ficar "às moscas", mas da próxima vez, vou deixar de sonhar tanto com sorrisos branquinhos e bocas rosadas.

 
 

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