FERIDAS ABERTAS
Hermann Teixeira Ribeiro
 
 

Por aquela porta ela saiu e ao se fechar, fechou-se o meu coração para outros amores, para outras paixões, fecharam-se as portas da minha percepção. Escancarou-se a porta da solidão, da dor, da culpa. E minha voz emudeceu, e não tive tempo para gritar que estava arrependido, que tinha errado, que tinha sido um tolo. Tolo, quando por meros caprichos, eu quis ser mais do que ela, tendo sido ela sempre mais do que eu, mais compreensiva, mais companheira, mais parceira, mais amiga, mais amante, meu único amor.

Foram tantos os caprichos, que ao fim de tudo só havia em mim um homem cego, surdo e insensível. O capricho primeiro foi o de não ter aceito sua opinião sobre um determinado assunto que já nem me lembro mais, apenas sei que minha consciência me acusava pois eu sabia o quanto ela estava certa, mas meu orgulho era maior e aquela primeira "vitória" tinha que ser minha, é ela veio com o gosto amargo de vê-la deixar a sala com um olhar desapontado. O capricho seguinte foi o de não ter calado quando era para calar, o de não ter falado quando era para falar, o de não ter dado a ela o meu colo para repousar sua cabeça, o carinho do afago nos cabelos depois de um dia cansativo de trabalho. Sim, eu era a insensibilidade em pessoa e não percebia que ela se sentia carente de seu homem, amigo, companheiro, parceiro, marido.

E dias se passaram, e portas gentilmente eu não abri para ela passar, cadeiras gentilmente eu não puxei para ela se sentar. Semanas se passaram e o silêncio de minhas dores e angústias eu não compartilhei, afinal, "ela nunca me entenderia" ! Puro engano, quem não me entendia era eu mesmo, mergulhado no meu egoísmo e no meu orgulho. E meses se passaram, eu fazia questão que ela me ouvisse nos mais diversos assuntos enquanto me ensurdecia as suas palavras deixando nela as marcas da tristeza e da mágoa. E os meus assuntos eram os mais interessantes, meus filmes os mais sensíveis, a minha literatura a mais culta, minhas músicas as mais belas, meus amigos os mais companheiros, a minha família a mais sóbria, e assim: o meu, a minha, os meus, as minhas, e fui me cercando de muitos "eus" e de nenhum "você" ou "nosso".

E um dia a vi chorar, a vi decepcionar-se, a vi angustiar-se quase em louco desespero e perguntando-lhe o que estava acontecendo percebi o quanto cheio de mim estava e o quanto dela não havia em mim. E anos se passaram e com eles a saúde de um amor que ao final adoeceu e antes que se transformasse em ódio fez as malas, abriu a porta, e por ela saiu!

 
 

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