O ÔNIBUS E A FERIDA
Leonardo Luz
 
 

Ela agora acenava para ele de dentro do ônibus. Essa cena já havia se repetido centenas de vezes. Mas desta vez ela não estava indo embora somente de sua casa, mas de sua vida. Aquele ônibus a levaria para longe dele. Tão longe quanto nunca estivera antes. Ele não acenara. Pusera a mão na boca, segurando o choro. Quando o ônibus se perdeu entre os outros carros, ele ainda ficou alguns minutos imóvel, com a mão direita sobre a boca, como que não acreditando no que acontecia. Como que esperando sua mãe o acordar e dizer que tudo não passara de um sonho. Mas sua mãe não a acordara. Alguns minutos depois ele baixou a cabeça, suspirou e atravessou a rua de volta para casa. Cada centímetro daquele caminho lembrava ela. Cada canto de sua casa tinha a presença dela. Cada objeto em seu quarto o fazia pensar nela. O faziam pensar que ela nunca mais olharia suas fotos, não se sentaria mais em seu computador enquanto ele a olhava da cama. Nunca mais se deitaria pedindo cafuné. Nunca mais sequer entraria naquele quarto, naquela casa, naquela vida.

Ele sabia que dessa vez ela não voltaria atrás. Agora era pra sempre. Ele não conseguia mais ver o amor em seus olhos. Ela simplesmente deixara de amá-lo. Qualquer outro motivo o deixaria com esperanças, mas não esse. Quando o amor acaba, podem ter certeza: é uma ferida que não cicatriza nunca. O amor não volta. E a ferida fica aberta, doendo, sangrando. No máximo ela para de doer, mas não fecha. Você se machuca de novo, cai, bate, se corta mais dez vezes, mas quando você tiver sozinho em casa numa noite fria, e for até a janela olhar a chuva e pensar na vida, você vai passar a mão na ferida, e ela vai doer e sangrar como se tivesse sido ontem. E aquela cena dela acenando pra você de dentro do ônibus - do ônibus que a tirou de sua vida - vai cuidar para que a ferida jamais se feche.

 
 

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