ESTRÉIA
Luciana Franco
 
 

Gosto de escrever. Mas sou vaidosa. Gosto mais quando me lêem. E exibicionista. Se me publicam. Mas o melhor, confesso, é esse gosto perverso. Masoquista. Gosto mais ainda quando me criticam. Ai, que desejo mórbido, que prazer estranho, se me analisam com a língua ferina. Língua que vai me despindo. Línguam nas frestas secretas das entrelinhas. Textura de carne, depois de dada ao olhar alheio, me ata os pulsos na cabeceira da linha. Estou nua. E não segura... Foi assim que começou a história.

Ana é uma fulana que apareceu na minha vida. Linda. Mas não sabia disso. Ou talvez soubesse. Mas naquele tempo era tão insegura que cobrava o tempo todo um elogio com a falsa modéstia dos vaidosos fingidos.

Quis seduzi-la. Fiz-lhe um poema. Minha riqueza era essa. Escrever poemas.

Fazer o quê? Alguns seduzem pela beleza. Outros pela riqueza. Eu lia bastante, gosto disso, o que me dava uma certa facilidade com as palavras. Elas brotavam repentinamente. E funcionavam com algumas mulheres, com as meninas novas, com as vaidosas, com as secretas. Não funcionava com todas, é verdade. Mas mulher, vai entender... Dão para um homem por cada motivo estranho.

Quis fazer-lhe um poema que era para ser apenas um brincadeira. Ela era jovem. E nem muito inteligente. Qualquer coisa servia.

Mas não é que a poesia foi crescendo no meio das minhas pernas. Que digo! Das minhas penas. Ela era linda. E meio boba. Qualquer palavra servia, as mais simples, as mais cruas, as mais doces.

Qualquer palavra se não fosse o espelho.

De repente me vi no meio de uma teia que só um deus muito perverso seria capaz de tecê-la. As palavras mais simples, as mais cruas, as mais doces se tornaram também as mais difícies.

Eu estava envelhecendo.

E a menina brincava comigo.

Todo dia me perguntava pelo poema com um olhar maldoso, meio galhofeiro, como se me cobrasse uma ereção que não vinha.

E ela queria ver o poema. Estava tão curiosa sobre si mesma. O poder de ser musa e inspirar um homem. Contou para a amiga mais íntima. Ali está o poeta. Baixei os olhos.

Eu estava impotente frente àquela musa não tão inocente como eu pensava.

Um dia convidei-a para conhecer a minha biblioteca. Ela perguntou novamente pelo poema. Desconversei e emprestei-lhe um livro. Ela olhou-o, leu a contracapa e se deu por satisfeita.

Satisfeitíssima. Ciúmes de livro, já viram isso. O autor era bom. Ela o levou junto ao peito. Dormiria, quem o sabe, com ele.

A história começou assim. E terminou com ela devorando toda a minha biblioteca. E se arriscando, inclusive, a escrever alguns versos, que me dava para ler. Versos que eu nunca consegui criticar. Versos lindos, e doces, e simples, e crus como ela.

 
 

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