ESTAÇÃO PARAÍSO
Luís Augusto Marcelino
 

São Paulo tem mais de 10 milhões de habitantes e algumas dezenas de estações de metrô. Eu não tenho o hábito de andar de metrô. Talvez seja fruto de duas das minhas mais evidentes fobias: o clausuro e as multidões. E, justo na estação do metrô, esses dois fantasmas invisíveis se encontram, provocando em nós, maníacos irremediáveis, uma sensação de desconforto aparentemente infinita.

- Lucas?

Alguém um dia repartiu o tempo. Primeiro, suponho, em dias. Depois em horas e minutos. Não muito satisfeito com o resultado, esse inventor que não sei o nome e que não tenho a mínima curiosidade de procurar saber, quebrou os minutos em 60 segundos. Alguns segundos podem, contudo, se transformar em décadas. E foi isso que senti ao ouvir aquela voz.

Por um breve segundo cheguei a desconfiar de que estava sendo vítima de uma alucinação repentina. Não, não era possível que a dona daquela voz estivesse ali, no meio daquele mar de gente, a me chamar como antes - há mais de vinte anos. "Lucas?" Nesse minúsculo espaço de tempo o som do meu nome ecoou em meus ouvidos e me fez lembrar da primeira vez em que Marina, sob o pretexto de pedir uma borracha emprestada, recitou o meu nome. "Lucas?... me empresta?" - apontou em direção às minhas quinquilharias escolares.

- Tó!

A verborragia não era uma qualidade na minha adolescência. Talvez também o fato de nunca ter ouvido, naquela época, a voz de Marina na sala de aula (ela respondia a presença erguendo o braço, já que sentava na primeira carteira da fila), tenha feito com que eu fosse pego de surpresa, daí aquela frase monossilábica que retrairia qualquer ser de um tentativa de aproximação.

- Marina? - respondi, depois de virar meu corpo em sua direção.

As portas do vagão se fecharam.

Imagino que eu tenha ficado ardente, porque senti as células do meu rosto se transformarem, passando de um estado de inércia para o de ebulição tão rapidamente que sequer encontrei outra palavra que não o nome dela. Eu pensei que não tivesse mais coração, pois há muito tempo ele havia se corrompido com a frieza e a indiferença diante das situações em que ele devia trabalhar. Mas não, eu estava enganado. Meu peito foi estufando e quase cheguei a perder a respiração, ao ponto de permanecer calado, embora eu tivesse mandado para o cérebro uma ordem tirana para ele funcionar e dizer qualquer coisa. Uma bobagem que fosse. Só que as palavras não saíam da boca.

- Puxa, quanto tempo, Lucas...

- É, Marina. Muito tempo. Você casou, né?

- É.

- Fiquei sabendo. Legal.

- O quê é legal?

- Você ter se casado, ué!

* * *

A mim me pareceu que ela sentia o mesmo que eu estava sentindo. Sim, pelo olhar meio perdido, pelo modo ofegante de respirar, agora sim posso afirmar que, como eu, as imagens do passado tinham invadido sua mente. Talvez isso justificasse sua hesitação quando perguntei-lhe sobre os filhos. De fato, ela pareceu estar no mundo de Saturno, para não ficar no lugar comum.
Era inverno. As pessoas estavam encapuzadas e as pontas dos narizes dos mais alvos estavam vermelhas. Dizem que o inverno aproxima as pessoas. E essa filosofia de boteco estacionou no meu pensamento. "Será que reaproxima também os amores, as grandes paixões esquecidas no passado?" Eu não tinha condições de responder. Talvez se Marina tivesse conhecido minha avó não tivéssemos nos distanciado. Minha avó jamais deixaria que alguém como Marina me abandonasse.

- Vai descer em qual estação? - perguntei, torcendo para que fosse na última, como eu.

- Acho que é na próxima... qual é mesmo o nome da próxima estação?

Ótimo! Não podia ser melhor para um sujeito sem sorte como eu. Ela desceria dali a dois, três minutos no máximo. Eu sonhava com aquele reencontro há duas décadas e, o máximo que poderia conviver com Marina, naquele momento, eram três minutos.

- Mas posso ir até a estação seguinte; depois eu volto... mas é o máximo, Lucas. Tenho uma reunião importante, não posso me atrasar.

- É, eu também poderia descer com você, te acompanhar até a porta do prédio, sei lá!

- Por que não vem?

- Não se abandona um moribundo à beira da morte, não é mesmo?

Com o passar dos anos fui desenvolvendo um lado chato de deixar minhas frases aparentemente sem muito significado soltas no ar para os meus interlocutores descobrirem do que se tratava. Enfim, os anos foram passando, e eu fui ficando abominavelmente sem-graça. Mas expliquei à Marina sobre a doença do meu amigo Rodolfo. "Complicações respiratórias crônicas. Aids, resumindo. Vou vê-lo no hospital."

"Estação Vergueiro" - anunciou o serviço de som. As portas se abriram, Marina não hesitou e continuou no vagão. Pensei que ela fosse descer e esquecer a promessa que fizera há pouco, de que seguiria por mais uma estação.

Achei por bem pedir o número do seu telefone, mas o ímpeto foi controlado por uma sensação esquisita de que talvez não fosse sensato. Um número de telefone pra quê, se os anos já tinham passado, se nossos caminhos se desviaram tão radicalmente? Não, melhor deixar pra lá. Mais alguns minutos e nos despediríamos, e melhor que fosse uma despedida perpétua.

- Não quer me passar seu telefone? - Marina perguntou.

- É claro!... claro que sim.

Nunca tive um cartão de apresentação, então tive que anotar o meu número num dos cartões que Marina carregava consigo dentro de sua elegante pasta de couro. O outro, como era de se esperar, ela deu pra mim. "Doutora Marina Prestes Palheiros. Advogada."

Palheiros era o sobrenome herdado do marido. Eu nunca o conheci. E pra dizer a verdade, jamais quis o conhecer. As comparações seriam inevitáveis, e talvez eu não pudesse resistir à constatação de que ele, por algum ou por vários motivos, era melhor do que eu. Ficamos mudos por um tempo. Ela olhava pela janela, tentando não me encarar. Eu ficava batucando com os dedos na porta do vagão. Ameaçava fazer alguma pergunta estúpida, mas a voz não saía, e então eu contava os segundos, querendo que eles se perdessem no ar, que se esquecessem de passar, para que aquele reencontro durasse mais. Minha torcida foi em vão.

- Bem, tenho que descer aqui. Foi ótimo te ver de novo, Lucas!

- Ah, sim... digo o mesmo. Talvez eu te ligue amanhã...

- Liga sim... é mais fácil você me achar no escritório pela manhã.

- Ok, pela manhã... então adeus!

- Adeus...

Antes de descer me deu um beijo no rosto. O último beijo, presumo. Que não serviu pra nada. Que não cicatrizou a ferida aberta no meu peito desde que Marina me abandonou.

"Estação Paraíso..."

Onde será o Paraíso?

 
 

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